Livro: A grande mentira Página 2

... ntos. Mas, como lembrara a mãe, o mundo dá muitas voltas e, quem sabe, um dia poderia se arrepender de ter vendido o asilo. A terceira. bem, a terceira nem era uma alternativa. Dilys não conseguia se imaginar, com vinte e seis anos, tomando conta de um asilo com trinta lugares, cercada por pacientes velhos com doenças crônicas, num canto remoto de Gales. Apesar disso, sentia que as duas primeiras escolhas seriam uma traição à confiança da tia. Derwydd Twr significava muito para Gladys. Nunca se casou, dedicando toda sua vida à enfermagem. Dilys sabia, bem lá no fundo, que a madrinha tinha esperança de que continuasse o trabalho que havia começado e a consciência lhe dizia que fazer isso seria compensá-la por sua negligência e descaso, nos anos todos. Estava ainda ruminando todos esses problemas, quando sua atenção foi desviada, de repente, de modo alarmante. Uma ovelha apareceu na estrada, bem na frente do carro. Brecou com força para não bater nela, mas o carro derrapou nos pedregulhos soltos e voltou para o meio da estrada, justamente no caminho de outro automóvel que vinha em direção contrária. Como havia uma curva, o motorista não viu Dilys até o último momento. Escutou-se uma freada de estourar os tímpanos, enquanto os dois tentavam evitar a trombada. O mundo ficou girando e Dilys pensou que tinha capotado. Mas só havia sido jogada para frente e para trás. Ainda tonta, saiu do carro depressa para ver se o outro motorista estava ferido. A primeira coisa que viu foi a ovelha, correndo estrada afora o mais rápido que podia. A segunda, o motorista saindo ileso do carro. Sentiu um alívio enorme, logo dissipado pelo olhar de fúria e desprezo do homem. — Mulher no volante! Podia apostar. Dilys ficou apalermada, enquanto era observada dos pés à cabeça como uma mercadoria à venda, e por sinal de muito pouco valor. — Não se machucou? — perguntou ele. O tom era áspero, atenuado apenas pelo sotaque galés. Teria até uma v ...

z bonita, ela observou, se não estivesse tão bravo, — Sorte sua! Ficou furiosa com sua maneira arrogante. — Estava só evitando matar o carneiro — explicou com o máximo de calma que conseguiu arranjar, pois ele, aparentemente, não vira o animal. — E, infelizmente, derrapei. — Encarou-o, atrevida, de nariz arrebitado. Não ia deixar que levasse vantagem. — Não devia estar dirigindo a essa velocidade numa estrada tão estreita. Parece que vai tirar o pai da forca! Como se fosse um caso de vida ou morte. — E se for? — Olhava-a de alto a baixo, danado da vida. Deu-lhe as costas, entrou no carro e saiu em disparada. — Sujeito estúpido! — murmurou, voltando também para o carro. Só então percebeu os arranhões causados no veículo por uma cerca de arame farpado e o espelho retrovisor quebrado. O estrago não era grande, mas dava uma pena ver o carro novinho em folha já batido! E tudo por culpa dele. Se não tivesse feito aquela curva feito um doido. Estava ainda indignada quando chegou a Mafonwydd, a cidadezinha perto de Derwydd Twr, onde ia ficar até que terminasse seus negócios com o advogado. Entrou no estacionamento do único hotel, o Llewellyn Arms, um edifício de granito cinza, com torreões e telhado de ardósia. Apesar de cercado por carvalhos, viam-se janelas iluminadas sob uma placa que dizia "Restaurante aberto para o público". Dilys saiu do carro e foi olhar de novo o estrago. O sangue subiu-lhe à cabeça ao lembrar da grosseria do rapaz. Ficou com o rosto quente, sentindo os olhos acusadores do homem, do alto de seus quase dois metros, pondo toda a culpa nela. Que cretino! Abriu o porta-malas, tirou uma maleta e entrou no saguão do hotel. A portaria era alegre, bem decorada, clara, contrastando com a fachada triste. A julgar pelo papel de parede novo, a espessura do tapete e o cheiro de tinta, o lugar tinha sido reformado, à espera dos turistas em férias. Uma senhora grisalha, atrás do balcão, examinou-a por tr� ...

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