Livro: A descoberta da Índia Página 3
Autor - Fonte: COELHO NETTO
...
uma demora de tres dias
esperando o vento que as levasse.
A doce manhã nascia, fresca e rosada,
quando os sinos da capella de Nossa
Senhora de Belém, entraram a repicar em
festa pondo no ar, fino e azul, a alegria
christã d\'uma alleluia e despertando as
gentes que, avisadas da grande expedição e
curiosas de verem aquella aventureira
partida, haviam acudido de longe estabelecendo
aduares nas visinhanças da ermida
onde, os que se faziam ao mar, costumavam
deixar as suas promessas, recebendo
contrictamente os preparativos espirituaes
para que a morte os não tomasse em
peccado sobre essas ondas affrontosas e
desconhecidas.
Uma grossa multidão formigava com os
olhos anciosos postos no templo de onde
deviam sair os novos argonautas para as
naus empavesadas que arfavam no rio
20 A DESCOBERTA DA INDIA
como grandes aves marinhas que experimentassem
as plumas para o vôo arrojado.
A paisagem, larga e calma, toda verde
com o favor do tempo, dava uma funda
saudade aos que, já de aprestos feitos,
esperavam o momento angustioso da partida,
apartando-se incertamente da patria, e
os moinhos, velejando nos pendores dos
outeirinhos, pareciam acenar aos que partiam
amargurados adeuses e para o sempre,
tão afflictas andavam as azas ao vento, esse
mesmo vento que devia apojar as velas
exploradoras.
Marujos, que se haviam engajado na frota,
despediam-se dos seus parentes com
palavras de conforto promettendo-lhes uma
volta breve e favorecida e, por todos os
meandros eram suspiros e lagrimas, juras e
conselhos e permutas de prendas ; as
mesmas arvores serviam como de fiadoras
aos namorados porque em suas grossas
cortiças entravam fundamente pontas de
cutellos abrindo signos para que, á volta,
fosse provado o juramento feito se os temporaes
não levassem d\'arranco o tronco,
depositario ou se o perjurio não apagasse o
emblema d\'aquella fé.
A DESCOBERTA DA INDIA 21
Era a velha mãe a lembrar ao filho a sua
vida solitaria, os
...
cabellos brancos da sua
fronte veneravel, as rugas da sua face, os
tremores do seu coração. Como haviam de
sentir as ovelhas quando se achassem no
monte com outro pastor tomado a salario
que, por certo, não as estimando como dono,
não havia de as regalar abeberando-as em
fontes frescas ou escolhendo macios pastos
e, já alquebrada, como havia ella de subir ás
rampas para recolher na clareira a lenha
necessaria ao lume caseiro quando os cortantes
ventos de Dezembro começassem a
zimbrar vergando e desfolhando os castanheiros
e açulando os lobos famintos contra
os redis. Ai! que magua a de o ver partir!
Outra dizia, com os braços em volta do
pescoço do homem — que elle não veria, ao
tornar, o campo como deixava porque não
só de soes e de chuva carece a arvore senão
tambem que d\'ella cuidem abacellando-a
com terra virgem ou ablaquecendo-a para
que as suas raizes ganhem força á luz e ao
ar, tratando-lhe o tronco e os ramos. Os
trigos dourados ficariam em palha
resequida, murchariam as vinhas
sumarentas, as abelhas emigrariam não
22 A DESCOBERTA DA INDIA
achando mel e os cortiços, calados e seccos,
viriam abaixo e os ventos os levariam como
levam as folhas murchas. Ella! pobre d\'ella!
sosinha e fraca e tendo um lume a guardar e
um berço a embalar como havia de sair, com
ferros, á campina e á encosta ? Deus a
guardasse com vida e não faria pequena
caridade.
Outra, chorosa e presaga, lembrava noites
de luar e cantos de rouxinóes, juras feitas
tremulamente entre roseiraes, á luz fraca das
estrellas, emquanto as moças da herdade
debulhavam e bailavam com descantes e
musicas de doçainas.
Creanças, vendo as mães em pranto,
agarravam-se-lhes ás saias chorando, não
porque comprehendessem a razão d\'aquella
angustia, tão só por verem lagrimas e o
anciar dos collos opprimidos. E, por entre as
gentes lastimosas, iam e vinham lentos
vendedores, uns que offereciam fructos em
gigos de vime, outros que ...
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