Livro: A Dama da Água Página 2

... s. Aquilo tinha acontecido havia anos, mas ainda conseguia se lembrar. Afastando uma mecha dos cabelos loiros que lhe caía sobre a testa, antes de tomar um atalho, ouviu o som de água corrente. Junto ao riacho havia uma enorme rocha e qua¬tro pedras grandes acomodadas como degraus, além de uma fileira de antigos chorões que se debruçavam sobre as águas, como que a querer matar a sede. Tudo ali estava exatamente como ele se lembrava, exce¬to pela estranha figura feminina vestida de preto perto da cachoeira que desaguava no riacho. Rhoenne sentiu-se de tal forma desapontado e frustrado ao descobrir que não estava só que nem se deu ao trabalho de disfarçar sua debilidade física. Abaixando a cabeça, soltou um grito alto, penetran¬te e cheio de agonia, dando, por fim, vazão ao sofrimento e à fadiga que o castigavam. A pequena e desconhecida figura mergulhou imedia¬tamente no riacho, respingando água por todos os lados, inclusive sobre Rhoenne. Ao dar dois passos para trás, ele perdeu o equilíbrio, caindo pesadamente de costas sobre o tapete verde da relva, o que acabou por lhe roubar o ar dos pulmões. — Como pôde fazer isso? — ele ouviu a voz feminina indagar, impertinente. Abrindo os olhos enquanto tentava recuperar o fôle¬go, fitou a pequena mulher que o questionava, cheia de indignação. — Seu grande. imbecil! — ela exclamou, balançando o punho cerrado na direção dele, antes de subir sobre o pei¬to largo e musculoso de Rhoenne que, atônito, observava-a pisoteá-lo, num acesso de fúria, com pés pequenos como os de uma criança. Era uma sorte ela ser tão leve e não estar usando calça¬dos, ele pensou, imaginando que se não estivesse com tanta dor, levantaria do chão e colocaria a pequenina sobre os joelhos, para dar-lhe umas boas palmadas no traseiro. — Vou ter de começar todo o ritual de novo — ela se queixou, quase sem fôlego. — Você estragou tudo, não é? E não adianta ficar me olhando com esses enormes ...

lhos azuis, pois não vou me deixar impressionar. Vamos, levante-se daí e trate de ir embora. Mexa-se! Ao atender o pedido, Rhoenne deixou escapar um gemi¬do de dor. No mesmo instante, a mulher saiu de sobre seu peito, girando sobre os calcanhares, e ao fazê-lo, desequili¬brou-se, caindo sentada na relva. Rhoenne observou-lhe as pernas benfeitas, antes que ela voltasse a ficar em pé, puxando o longo manto negro que trajava, ajeitando-o contra o corpo. — Apresse-se e suma daqui, antes que a Dama da Água se zangue com você. — Ela enfatizou cada palavra, erguendo os braços em direção ao céu. — Pretende continuar deitado aí depois de ter arruinado meu ritual? — acrescentou, empinando o nariz delicado. Rhoenne, que raramente perdia o controle, estava furio¬so. E sabia a razão. Jamais tinha sido tratado daquela maneira antes. Ao inspirar, ficou sem saber o que lhe doía mais, se a per¬na ou o peito. Não demorou a admitir que a perna o inco¬modava muito mais. Expirou vagarosamente, sem forças para fazer o que quer que fosse. A culpa foi dela, pensou. — Por que você não disse logo? — a mulher indagou, dei¬xando Rhoenne confuso. — Eu não teria ficado tão zangada. Diga-me, por que veio procurar a ajuda da Dama da Água? Prometo não machucar você. Rhoenne cerrou os punhos, enquanto ela se ajoelhava a seu lado, esquadrinhando-lhe o corpo com olhos atentos. Se não estivesse enganado, os olhos daquela mulher muda¬vam de cor, do verde ao castanho. Algo muito interessante. A moça o encarou, sorrindo, e duas covinhas bem marcadas se formaram, uma em cada face. Rhoenne a fitou. Ela não era uma adolescente, nem isenta de atrativos como ele havia julgado a princípio. Além disso, dava a impres¬são de ter-se banhado pouco antes, pois exalava um perfu¬me de limpeza. Os olhos dele completaram uma avaliação mais atenta. Notou de repente que ela usava o manto azul que pertencia ao seu clã! Ninguém fora do Castelo de Ramhurst tinh ...

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