Livro: Tudo por um beijo Página 2

... undava. A lama já cobria suas coxas. As botas pesavam mais que chumbo, porém não o impediram de continuar andando. O corpo todo se contraía de tensão. Depois de muito esforço, conseguiu ultrapassar a parte mais funda. Com a lama cobrindo apenas os tornozelos foi mais fácil ganhar velocidade. Ainda estava à frente dos perse-guidores e logo conseguiu abrir mais terreno de vantagem. Um sorriso largo iluminou seu rosto. Sam Forester havia sobrevivido para contar a história. Distrito de Binondo, Manila A casa impressionante e alta imperava na ilha. A propriedade era demarcada por muros de coral, ostentando a mistura de culturas e cores. À frente, dois imensos portões de ferro imitan¬do os intrincados galhos e folhas de videira, o mesmo motivo usado nas janelas. Camadas de tinta preta brilhante revestiam os portões e os pequenos grilhões. Não havia um ponto de ferrugem, tão comum naquela ilha, particularmente na casa do embaixador LaRue. A família era proprietária da Mansão Hickory, das indústrias Calhoun e das fazendas Beechetree. Por trás dos muros, um caminho, pavimentando com cacos das mesmas telhas avermelhadas do telhado, serpenteava pelo gramado verdejante. Não havia brisa nenhuma balançando as folhas das enormes árvores, que como sentinelas ladeavam os portões, seguindo em fileira até quase a porta da frente da casa. Trepadeiras de flores miúdas subiam até os terraços dos quartos no primeiro andar. Uma fragrância suave inundava o lugar. Era o doce e rico perfume dos trópicos. Quebrando o silêncio, um tamborilar de dedos que batiam insistentes no canto de uma persiana. Um som tímido, mas por alguma razão, carregado de impaciência. Vez por outra, o silencio voltava a reinar, para pouco depois ser interrompido mais uma vez pelo barulho cadenciado. Eulalie Grace LaRue deixou a janela e sentou-se, apoiando o queixo em um dos punhos cerrados. Franzindo o cento, olhou para o relógio que dava a impressão de segurar o tempo po ...

vontade própria. Eram quatro horas. Mudar o apoio da cabeça de uma mão para outra levou longos dois segundos. Ela sus-pirou, emitindo um som no compasso da perfeição das alunas do Conservatório para Meninas de Madame Devereaux em Belvedere. Mais quatro arrastados segundos se passaram. Ainda com os olhos presos nos ponteiros, Eulalie se perguntou como três horas pareciam se arrastar por anos. Na verdade, havia se passado muito tempo de fato. Havia dezessete longos anos desde que seu pai tinha deixado a mansão Hickory, o lar ancestral da família, partindo para traba¬lhar em algum país da Europa. A mãe morrera ao dar à luz o irmão mais novo quando ela estava com dois anos de idade. Assim, o pai a havia deixado aos cuidados de cinco irmãos mais velhos. Ainda se lembrava de ter perguntado ao irmão, Jeffrey, dias após a partida do pai, onde ficava um lugar chamado Andorra. Ele, então, a tomara pelas mãos e juntos entraram no escritório do pai. O irmão aproximara-se de um globo, colocado em um pequeno tripé em cima da portentosa escrivaninha, girando-o com a ponta dos dedos até parar e apontar um pequeno ponto cor-de-rosa no mapa. Eulalie soube que era ali que o pai estava, e indagou quando ele voltaria. Jeffrey demorou a responder, até dizer que uma linda lady LaRue como ela, com aqueles grandes olhos azuis e sedosos cabelos loiros, como o de sua mãe, não deveria se preocupar se um dia tornaria a rever o pai. Depois desse episódio, Jeffrey nunca mais tinha tocado no assunto ou respondido às dúvidas da irmã. Nos anos que se seguiram, o mistério persistiu. Sempre que chegava uma carta com notícias, o irmão mais velho a levava para o escritório do pai e apontava um novo ponto no mapa. Naquele dia em específico ele havia informado que o pai seguira de Andorra para uma colônia espanhola nas ilhas Filipinas. Aos quinze anos de idade, Eulalie tinha parado de perguntar pelo pai, contudo jamais perdera as esperanças de reencontrá-lo. ...

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