Livro: Sedução do Deserto Página 2

... ¬vitável. Salim era muitas coisas, nem todas positivas — como ficara provado nos últimos meses — mas não era dado a desistir. A realidade precisava ser en¬frentada, não importavam as conseqüências. Pousado no parapeito, o falcão agitou as penas marrons e amareladas e fixou os olhos brilhantes no parque. Logo anoiteceria, e ele se preparava para a última caçada do dia. Salim não duvidava de que seria bem-sucedida: o animal era um predador, um perfeito caçador cuja intenção, quando fixada, determinava o destino trágico de sua vítima. Outra metáfora, pensou Salim, contraindo o rosto. O falcão aparecera um ano antes planando, tran¬qüilamente, acima do tráfego intenso. Pousara no pa¬rapeito, sob o olhar admirado de Salim, que conhecia falcões muito bem. Ele os criara e treinara nas monta¬nhas do deserto de Senahdar. Conhecia sua coragem, independência e a elegante selvageria que corria em suas veias, apesar de aprenderem a ficar calmamente pousados no punho de um homem. Ao observar o pássaro, Salim lastimara seu destino inevitável: uma criatura selvagem não sobreviveria ali. Errado: o fal¬cão tomara conta da elegante avenida e do parque, dominando-os como se fossem as florestas e os de¬sertos que eram seu habitat. Salim lhe cedera o terra¬ço, pois tinha mais dois, e ficara contente por dividir seu espaço com o convidado inesperado. O falcão se fortalecera na solidão e na confiança em seus pró¬prios instintos. Jamais se deixaria abater. O sorriso de Salim desapareceu: ele também não. Fizera papel de tolo cinco meses atrás e precisava revidar o insulto depressa. A lembrança de como fora enganado, de como en¬trara no conto mais velho do mundo, ainda o enfure¬cia. A mulher o humilhara, enganara-o da pior forma possível, em seus braços, num jogo no qual ele jamais acreditaria ter caído. Ela mentira com o corpo, com suspiros, com gemidos e sussurros que o haviam le¬vado à loucura. Sim, ah, sim. Faça de novo. Toque-me. ...

í, Salim. Ah, assim. Sim. Sua boca, suas mãos. Maldita! Só de lembrar ele se excitava. Tudo fora uma farsa, mas ele não conseguia esquecê-la. Nada fora verdadeiro. O desejo sexual por ele, não por quem ele era, fora uma mentira. Ela brincara com ele e o deixara cego para a verdade, tornando possível roubar-lhe a honra. De que outra forma ele poderia descrever o fato de acordar um belo dia, para descobrir que ela fugira levando consigo dez milhões de dólares? Salim tremeu de ódio, atravessou a sala e pegou uma garrafa de Courvoisier no bar. Serviu-se de uma segunda dose. Em parte, exagerava. Ele não acordara de repente para descobrir que Grace desaparecera. Como pode¬ria, se jamais passaram uma noite inteira juntos? Salim estremeceu. Bem, talvez uma ou duas vezes, quando ele ficara apenas por causa da chuva ou porque era muito tarde, jamais por outra razão. Cada um tinha seu apartamento. Era assim que ele preferia, por mais que durasse um romance. A convivência constante, por melhor que fosse o sexo, conduzia à intimidade, e esta acabava em tédio. Da última vez, ele a deixara na cama numa sexta-feira à noite, voara para a costa oes¬te a negócios, e, ao voltar a Nova York uma semana depois, ela se fora, assim como os dez milhões desvia¬dos da empresa de investimentos que ele transformara numa potência global. O dinheiro fora desviado de uma conta à qual só ele tinha acesso. Salim tomou um gole de brandy e voltou para a ja¬nela. A neve diminuíra. O falcão ainda estava pousado no parapeito, imóvel, a não ser pelo leve eriçar das pe¬nas. Dez milhões de dólares, e nada fora recuperado. A mulher que os roubara também não fora encontrada, mas logo seria. Era tudo em que pensava, depois de re¬ceber o telefonema do detetive particular que contrata¬ra após o fracasso da polícia e do FBI, esperando pela chegada do homem. Cinco meses, cento e quarenta e poucos dias. Afinal, iria saciar seu apetite por algo que seria aprovado por seus an ...

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