Livro: A Dança dos Ossos Página 3
Autor - Fonte: Bernardo Guimarães
...
rando. À proporção que ia
chegando perto do lugar onde está a sepultura, meu coração ia ficando pequenino.
Tomei mais um trago, rezei o Creio em Deus Padre, e toquei para diante. No
momento mesmo em que eu ia passar pela sepultura, que eu queria passar de
galope e voando se fosse possível, aí é que o diabo do burro dos meus pecados
empaca de uma vez, que não houve força de esporas que o fizesse mover.
Eu já estava decidido a me apear, largar no meio do caminho burro com sela
e tudo, e correr para a casa; mas não tive tempo. O que eu vi, talvez Vm. não
acredite; mas eu vi como estou vendo este fogo: vi com estes olhos, que a terra há
de comer, como comeu os do pobre Joaquim Paulista. mas os dele nem foi a terra
que comeu, coitado! Foram os urubus, e os bichos do mato. Dessa feita acabei de
acreditar que ninguém morre de medo; se morresse, eu lá estaria até hoje fazendo
companhia ao Joaquim Paulista. Cruz!. Ave Maria!.
Aqui o velho fincou os cotovelos nos nós joelhos, escondeu a cabeça entre
as mãos e pareceu-me que resmungou uma Ave-Maria. Depois, acendeu o
cachimbo, e continuou:
— Vm. se reparasse, havia de ver que o mato faz uma pequena aberta da
banda, em que está a sepultura do Joaquim Paulista.
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A lua batia de chapa na areia branca do meio da estrada. Enquanto eu estou
esporeando com toda a força a barriga do burro, salta lá, no meio do caminho, uma
cambada de ossinhos brancos, pulando, esbarrando uns nos outros, e estalando
numa toada certa, como gente que está dançando ao toque de viola. Depois, de
todos os lados, vieram vindo outros ossos maiores, saltando e dançando da mesma
maneira.
Por fim de contas, veio vindo lá, de dentro da sepultura, uma caveira branca
como papel, e com os olhos de fogo; e dando pulos como sapo, foi-se chegando
para o meio da roda. Dai começaram aqueles ossos todos a dançar em roda da
caveira, que estava quieta no meio, dando de vez em quando pulos no ar,
...
caindo
no mesmo lugar, enquanto os ossos giravam num corrupio, estalando uns nos
outros, como fogo da queimada, quando pega forte num sapezal.
Eu bem queria fugir, mas não podia; meu corpo estava como estátua, meus
olhos estavam pregados naquela dança dos ossos, como sapo quando enxerga
cobra; meu cabelo, enroscado como Vm. está vendo, ficou em pé como espetos.
Daí a pouco os ossinhos mais miúdos, dançando, dançando sempre e
batendo uns nos outros, foram-se ajuntando e formando dois pés de defunto.
Estes pés não ficam quietos, não; e começam a sapatear com os outros
ossos numa roda viva. Agora são os ossos das canelas, que lá vêm saltando atrás
dos pés, e de um pulo, trás!. se encaixaram em cima dos pés. Daí a um nada vêm
os ossos das coxas, dançando em roda das canelas, até que, também de um pulo,
foram-se encaixar direitinho nas juntas dos joelhos. Toca agora as duas pernas que
já estão prontas a dançar com os outros ossos.
Os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos esses ossos que ainda
agora saltavam espalhados no caminho, a dançar, a dançar, foram pouco a pouco
se ajuntando e embutindo uns nos outros, até que o esqueleto se apresentou inteiro,
faltando só a cabeça. Pensei que nada mais teria que ver; mas ainda me faltava o
mais feio. O esqueleto pega na caveira e começa a fazê-la rolar pela estrada, e a
fazer mil artes e piruetas; depois entra a jogar peteca com ela, e a atirá-la pelos ares
mais alto, mais alto, até o ponto de fazê-la sumir-se lá pelas nuvens; a caveira gemia
zunindo pelos ares, e vinha estalar nos ossos da mão do esqueleto, como uma
espoleta que rebenta. Afinal o esqueleto escachou as pernas e os braços, tomando
toda a largura do caminho, e esperou a cabeça, que veio cair direito no meio dos
ombros, como uma cabaça oca que se rebenta em uma pedra, e olhando para mim
com os olhos de fogo!.
Ah! meu amo!. Eu não sei o que era feito de mim!. Eu estava sem fôlego, ...
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