Livro: Núpcias de Traição Página 2

... como se estivesse falando do tempo ou de outra amenidade qualquer. Elise, sem saber o que era mais apropriado dizer naquelas circunstâncias, preferiu guardar silêncio. — Com que então, minha jovem, é uma viúva de Azincourt e desejaria vingar a morte de seu esposo, um nobre cavaleiro que honrou o povo francês com sua bravura e coragem. — Sim, Majestade. — Permita-me congratulá-la — a rainha prosseguiu rispidamente —, uma vez que é integrante de uma vasta legião de mulheres que se tornaram viúvas naquele triste combate. Seu esposo deixou-lhe filhos? — Não, Majestade — Elise respondeu. Em seguida, cur¬vou-se profundamente, a fim de que a rainha zombeteira não notasse as lágrimas que lhe rolavam pelas faces. Depois que o corpo mutilado do senhor de Aimeri foi sepultado com todas as honras, Elise viajara de volta à Normandia, na vã ilusão de que lhe seria permitido ficar ao lado do filho de seu falecido marido. Todavia, não tardou a perceber que não poderia permanecer indefinidamente no Castelo de Vire. O herdeiro de Aimeri, irmão de seu esposo, encarava Elise como uma boca a mais para alimentar. A mulher deste, por sua vez, aproveitara a ocasião para transformar a cunhada em ama de seus filhos. Como Elise não possuía nenhum pedaço de terra, dificilmente conseguiria modificar a situação. Aos dezoito anos, a perspectiva de padecer tal humilhação se lhe afigurava pior do que a morte. Os ingleses tinham tirado a vida de seu esposo, com quem ficara casada por apenas dois anos. A medida que o tempo passara, o pesar dela convertera-se em fúria e ódio profundo aos ingleses. Agora, após a exaustiva jornada à capital francesa, Elise estava disposta a tudo para vingar-se dos invasores. — Não tem família? — a rainha insistiu. — Apenas um irmão. Jean Jourdain, soldado a serviço do duque de Borgonha. Mas ele vive na guarnição. Lá não haveria lugar para mim. e tampouco haveria no coração de meu irmão, Majestade. E ...

ise calou-se, pensando no abismo que agora a separava de Jean. Simplesmente não poderia contar com o apoio dele para ajudá-la a encontrar um rumo para sua vida. — Estaria então disposta a cooperar com o rei para vingar-se da afronta imposta pelos ingleses? Não tem pai, mãe, ou bens a serem administrados? — Temo que não, Majestade. As terras de meu falecido esposo ficaram em poder de meu cunhado. Meus pais estão mortos. Não existe nada nem ninguém que necessite dos meus cuidados. A rainha colocou a mão sob o queixo e quedou-se pensativa. — Qual é a sua idade, minha jovem? — Em breve completarei dezenove anos. — E que serviço pensa poder prestar à França? — Eu. — Embaraçada, Elise fez uma pausa quase imper¬ceptível. — Sei manejar perfeitamente o arco e a flecha. Não hesitaria em juntar-me às fileiras de soldados para exercitar meu dom contra os ingleses. Os cortesãos presentes na sala de audiências não reprimiram o riso ante a ingenuidade da jovem viúva. — Ao que parece, temos aqui uma patriota fervorosa! — exclamou a rainha, soltando uma gargalhada. — E quanto a vocês, corja de parasitas, deveriam espelhar-se no exemplo desta mulher! — Majestade, se me permite uma sugestão. — disse um homem, que acabara de entrar no recinto. Elise virou-se para olhar o recém-chegado que abria cami¬nho entre os cortesãos que ladeavam a soberana. Envergava calças estreitas negras que lhe iam até os joelhos, túnica cor-de-areia, arrematada com peles na manga e na bainha, e sapatos com o bico virado para cima. — Caro duque de Borgonha, quero apresentar-lhe lady Elise de Vire — declarou a rainha com fala arrastada. Elise fez uma reverência e, quando se levantou, deparou com um par de olhos azuis que a perscrutavam friamente. Então, ela pensou com seus botões, aquele era João sem Medo, famoso líder da facção borgonhesa que almejava usurpar o poder dos Armagnacs, cuja esperança de preservar seu domínio agora ...

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