Livro: Pacto de Ternura Página 3

... ou que seu Fiat não estivesse passando por uma revisão completa, obrigando-a a andar pela cidade de ônibus. Havia descido vários pontos antes, pelo gosto de andar sob o sol de primavera, prazer do qual quase nunca desfrutava. Desde que Hattie tirara licença para ter o bebê, a livraria ocupava seu tempo com exclusividade. Todavia, agora arrependia-se por esses poucos minutos de prazer, que se revelavam caros demais. Os olhos de Carla baixaram para a mão que a detinha; com a fúria sobrepujando o nervosismo, ela viu graxa embaixo das unhas daqueles dedos que se fechavam em seu pulso. Enchendo os pulmões, gritou: — Tire as mãos de mim! Está estragando meu casaco! — Oh, eu me lembro de você! Conheço esse seu ar esnobe. Você é Carla Phillips, não é? Carla sentiu vontade de correr, mas aquele sorriso cativante deteve sua intenção, Além do mais, lembrava-se de que Saul tinha uma reputação enorme como encrenqueiro; aos dezenove anos era conhecido por seu gênio explosivo, e ela não queria experimentar a fúria dele. Seria melhor ficar quieta, não fazer nada, e quem sabe ele a soltasse. Ele recuou um passo, continuando a segurá-la, enquanto a estudava da cabeça aos pés. Apesar de estar quase perdendo de vez a paciência, e se sentindo tentada a cometer uma tolice, como dar um chute nas canelas dele, tão próximas, ela não pôde evitar a curiosidade sobre o que ele pensava do encontro inusitado, pois ela, há oito anos, não passava de uma criança magra e cheia de espinhas no rosto. Uma jovem desajeitada e tímida, meio menina e meio mulher. Hoje, ao contrário, era uma adulta em pleno vigor da vida, irradiando beleza e simpatia. A insegurança da adolescência cedera lugar ao brilho e ao esplendor da maturidade. Os olhos de Saul perceberam a diferença entre o passado e o presente, e pousaram com acinte nos seios e quadris de Carla até que encontraram mais uma vez o rosto dela. — Você mudou, está mais bonita! Carla ficou envai ...

ecida com o elogio. Aos dezesseis anos, não possuía qualquer curva que lhe realçasse a silhueta. Todavia, com o passar do tempo, seu corpo se tornara mais arredondado e feminino, embora ela não tivesse formas tão delineadas como as de Hattie. Havia também outras mudanças, talvez mais sutis; na elegância de suas roupas, nos cabelos bem cuidados, na maquiagem que realçava suas feições. Contudo, não podia esperar que um grosseirão como Saul reparasse em tais detalhes! — Pode soltar meu braço, por favor? — disse, e surpreendeu-se, vendo-o obedecer. — Pois não, madame! Ela olhou para as manchas na manga do casaco, e exclamou: — Olho só o que fez! Estragou o meu casaco! — Você pode lavá-lo. Sinto muito. Não quis que isso acontecesse. Eu pagarei pelo estrago. Basta me dar seu nome e endereço, que eu o levarei a uma lavanderia. Onde você mora? Carla forneceu o endereço, e notou a mudança de expressão no rosto dele. Já devia esperar por aquilo. O que Saul queria era descobrir onde ela residia. — Você ainda mora com seus pais? — Moro sozinha há muito tempo! — Então não se casou? — Não. — Ainda não encontrou alguém que sirva? Ou será que a mamãe e o papai não deixam você escolher? — Não se trata disso! Para falar a verdade, não estou nem um pouco interessada em me casar! Tenho um negócio para dirigir, e ele toma todo o meu tempo. — Ah! Isso faz sentido: tal mãe, tal filha. Ela achou melhor ignorar o comentário, embora não tivesse gostado nem um pouco da referência de Saul à sua mãe. — E quanto a você? Estou vendo que ainda trabalha para Bob Sinclair, Ele balançou negativamente a cabeça de um lado para o outro, irritado. Carla se perguntou o que havia dito de grave para aborrecê-lo: — Mas o furgão. — Ela insistiu, sem esperar pela resposta. — Ele pertence às Oficinas Sinclair. Porém, não significa que seja de Bob. Sinclair faleceu há cinco anos. — Oh! Coitado do Bob Sinc ...

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