Livro: Senhora Página 2
Autor - Fonte: José de Alencar
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as e límpidas daquele perfil para
quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia?
Os olhos grandes e rasgados, Deus não os aveludaria com a mais inefável ternura, se os destinasse
para vibrar chispas de escárnio.
Para que a perfeição estatuária do talhe de sílfide, se em vez de arfar ao suave influxo do amor, ele
devia ser agitado pelos assomos do desprezo?
Na sala, cercada de adoradores, no meio das esplêndidas reverberações de sua beleza, Aurélia bem
longe de inebriar-se da adoração produzida por sua formosura, e do culto que lhe rendiam; ao
contrário parecia unicamente possuída de indignação por essa turba vil e abjeta.
Não era um triunfo que ela julgasse digno de si, a torpe humilhação dessa gente ante sua riqueza.
Era um desafio, que lançava ao mundo; orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, como a um réptil
venenoso.
E o mundo é assim feito; que foi o fulgor satânico da beleza dessa mulher, a sua maior sedução. Na
acerba veemência da alma revolta, pressentiam-se abismos de paixão; e entrevia-se que procelas de
volúpia havia de ter o amor da virgem bacante.
Se o sinistro vislumbre se apagasse de súbito, deixando a formosa estátua na penumbra suave da
candura e inocência, o anjo casto e puro que havia naquela, como há em todas as moças, talvez
passasse desapercebido pelo turbilhão.
As revoltas mais impetuosas de Aurélia eram justamente contra a riqueza que lhe servia de trono, e
sem a qual nunca por certo, apesar de suas prendas, receberia como rainha desdenhosa, a
vassalagem que lhe rendiam.
Por isso mesmo considerava ela o ouro, um vil metal que rebaixava os homens; e no íntimo sentiase
profundamente humilhada pensando que para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa,
não merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus mil contos de réis.
Nunca da pena de algum Chatterton desconhecido saíram mais cruciantes apóstrofes contra o
dinheiro, do que vibrava muitas v
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zes o lábio perfumado dessa feiticeira menina, no seio de sua
opulência.
Um traço basta para desenhá-la sob esta face.
Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam
unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo
estalão.
Assim costumava ela indicar o merecimento de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor
monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que
razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.
Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que fazia-se íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la
casada, dirigiu-lhe um gracejo acerca do Alfredo Moreira, rapaz elegante que chegara recentemente
da Europa:
- É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis;
mas eu tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse.
Riam-se todos destes ditos de Aurélia, e os lançavam à conta de gracinhas de moça espirituosa;
porém a maior parte das senhoras, sobretudo aquelas que tinham filhas moças, não cansavam de
criticar desses modos desenvoltos, impróprios de meninas bem-educadas.
Os adoradores de Aurélia sabiam, pois ela não fazia mistério, do preço de sua cotação no rol da
moça; e longe de se agastarem com a franqueza, divertiam-se com o jogo que muitas vezes
resultava do ágio de suas ações naquela empresa nupcial.
Dava-se isto quando qualquer dos apaixonados tinha a felicidade de fazer alguma cousa a contento
da moça e satisfazer-lhe as fantasias; porque nesse caso ela elevava-lhe a cotação, assim como
abaixava a daquele que a contrariava ou incorria em seu desagrado.
Muito devia a cobiça embrutecer esses homens, ou cegá-los a paixão, para não verem o frio
escárnio com que Aurélia os ludibriava nestes brincos ridículos, que eles tomavam por garridices
de menina, e não eram senão ímpetos ...
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Comentários:
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Eliza maria : Maravilhoso.
LUCIA MATOS: Esse romance é lindo mesmo li no tempo de escola e recordei agora, lindo quem não leu recomendo..
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