Livro: Vida em leilão Página 3

... nte. Não vira o homem que vinha em sentido contrário. Nem o pressentira. Ficou paralisada de terror. Um suor frio inundou-lhe o corpo, e suas mãos começaram a tremer. Cambaleou, e teria caído se mãos firmes não a tivessem amparado. Teve vontade de gritar, mas lembrou-se do que Sam lhe dissera: "Você é Carla Quinn agora. Mantenha a calma. Aconteça o que acontecer, não cometa o erro de acreditar que Robina Hart foi descoberta. Tem que agir com confiança ou estará cavando sua própria sepultura. Carla Quinn não tem necessidade alguma de se esconder nem algo a temer. Lembre-se disso". Era mais fácil dizer do que fazer. Ergueu os olhos ainda cheios de terror. O homem era grande, alto, de ombros retos, intimidador. À baça claridade da luz do poste, percebeu que era moreno e que uma barba cerrada escondia-lhe parcialmente as feições. Sabia que nunca o vira antes. Não teria esquecido facilmente seu olhar intenso. Mas ele parecia. gentil. Seus dedos não lhe prendiam os braços com muita força. E sua voz não tinha nada de ameaçador, quando lhe perguntou: — Você está bem? Os calafrios passaram lentamente. O terror cessou e a razão apoderou-se dela. A preocupação do desconhecido não fazia supor um agressor. Nem a calma com que ele ficava ali, segurando-a à luz do poste, à vista de qualquer passante ocasional. Seu pânico deu lugar a um cauteloso embaraço. Obviamente, cometera um engano. — Sim. sim, estou bem — murmurou debilmente, enquanto recuava de um passo. — Queira me desculpar. O desconhecido deixou cair as mãos ao longo do corpo e deu-lhe passagem. Carla passou por ele de olhos baixos e dirigiu-se para a porta, que se abria com o auxílio de um cartão magnético. Felizmente. Trêmula como estava, não teria conseguido introduzir a chave na fechadura. Pensando apenas em pôr-se a salvo, atravessou correndo o saguão deserto e subiu os três lances de escada de um só fôlego. Ao chegar ao terceiro andar, onde ficava seu apa ...

tamento; olhou em volta para ver se não fora seguida. Desligou então o alarme e lutou com a chave durante alguns segundos. Antes de fechar a porta atrás de si, acendeu a luz que iluminava não apenas a pequena entrada mas também o living anexo, e correu os olhos pelo aposento. Tudo parecia em ordem. Maravilhosamente em ordem, de fato. Girou a chave na fechadura, passou a corrente de segurança e voltou a ligar o alarme. Encostou-se então contra a porta, com o corpo dominado pelo alívio. Nunca, desde que se tornara prisioneira das circunstâncias, nunca apreciara tanto seu pequeno refúgio como naquele momento. Mas o alívio não a livrou do nervosismo. Não se lembrava de ter entrado em pânico uma única vez naqueles meses. E isso a assustava. Refez mentalmente a etapa final de sua volta para casa e apertou os lábios, aborrecida. Caçada por sua própria imaginação!. Pesadelos eram uma coisa, não podia evitá-los. Mas correr pelas ruas dominada por um pânico incontrolável. era terrível! Afastou-se da porta, despiu o casaco e colocou-o no cabide junto com a bolsa. Só então deixou-se cair sentada no macio sofá da sala. Livrou-se dos sapatos, ajeitou as pernas debaixo do corpo e recostou-se nas almofadas. Era o paraíso! Permaneceu quieta durante alguns minutos. A tensão cedeu. Era explicável o medo que sentira: as ruas desertas, o vento frio, aquela ameaça tocaiada. Mas agora tudo estava bem. Consideradas as circunstâncias, devia estar agradecida. Tinha um lindo apartamento, num edifício novo dotado de todos os confortos modernos, e um bom emprego, para o qual estava perfeitamente preparada. No começo, ficara hesitante: fazia mais de cinco anos que não lecionava. E passara o verão preparando-se intensamente, mergulhada no estudo e na leitura dos clássicos. Gradualmente, percebera que gostava sinceramente do que estava fazendo e alegrara-se quando as aulas recomeçaram. Com a mente presa em Melville, Faulkner e Hemingway, havia pouco t ...

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