Livro: As minas de prata Página 3
Autor - Fonte: José de Alencar
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a tempo; porque a igreja enchia-se de fiéis, e no adro viam-se já as cadeirinhas e
palanquins que traziam à missa as donas e filhas dos ricos senhores da Bahia.
Tinham parado na calçada dois moços, ambos na flor da idade, ambos elegantes e bem
parecidos, mas tão dessemelhantes no trajar, como no molde da beleza varonil.
O mais velho, que teria vinte e dois anos, era moreno. A fisionomia franca e aberta, as
cores frescas e rosadas, o porte firme e direito sobre uma estatura regular, mostravam
compleição vigorosa; mas sua expressão ressumbrava tanta graça, o sorriso que lhe
brincava nos lábios era tão faceiro, havia tal donaire nos seus movimentos, que a força
muscular desaparecia sob a flor da feliz organização, como a robustez do tronco sob a
virente folha.
Vestia gibão de gorgorão cor de pérola guarnecido na orla por delgado fio de ouro com
que eram igualmente tecidos os passamanes, e calção de veludo turqui debruado nas
costuras por fino cairel de prata. Torçal de seda escarlate suspendia-lhe ao flanco
esquerdo o florete; o boné de veludo azul com um broche de rubi cingia os anéis dos
cabelos negros; a meia cor de pinhão debuxava a perna bem contornada, e o sapato raso
com espora afilada calçava um pé fino e aristocrático.
Naquele tempo em que a profusão de cores vivas e bordados era o toque da louçania,
não se encontrara decerto um cavalheiro trajado com mais gentileza e primor; a riqueza
apenas se mostrava, para não ofuscar o bom gosto na combinação artística das lindas
cores, nem o esmero do corte e piques das roupas.
Também na Bahia não havia mancebo casquilho como Cristóvão de Garcia de Ávila,
senhor de fazenda passante de cinquenta mil cruzados, e descendente de uma das
famílias nobres que tinham vindo do Reino com Tomé de Sousa, em 1549.
Nesse momento, voltado para a Praça do Governador, ele enfiava o olhar pela rua que
desembocava no Largo da Sé, e pela qual esperava despontasse alguma cois
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, que
visivelmente o interessava.
O outro moço contava apenas dezenove anos. Trajava tudo negro, de simplicidade
extrema, mas de esquisita elegância. Um aljôfar isolado brilhava na touca de veludo preto;
as preguilhas da mais fina lençaria de alvas deslumbravam; a espora ligeira que mordia o
salto do borzeguim e a cruz da espada eram de aço, mas tão bem polido que cintilava
como custosas pedrarias.
O cetim negro das vestes dava muito realce à sua bela cabeça erguida com meneio altivo,
e à alvura rosada de sua tez. Os grandes olhos pardos tinham os raios profundos e
reflexivos que desfere a inteligência nos momentos de repouso; o lábio superior, coberto
pelo buço de seda que pungia, arqueava graciosamente com expressão grave; era de alta
estatura, e tinha como seu companheiro o talhe esbelto, mão e pé de supremo esmero.
Mas o que especialmente o caracterizava, era uma sombra imperceptível, que às vezes
deslizando pela fronte alta e inteligente, carregava ligeiramente as linhas do perfil e
imprimia-lhe na fisionomia o cunho da vontade tenaz; nestes momentos sentia-se que a
razão calma, firme, inflexível, dominaria, se preciso fosse, as expansões da mocidade.
Os dois cavalheiros continuavam a conversa começada quando se encontraram no adro
da igreja.
— Perdes teu tempo, dizia Cristóvão de Ávila sem tirar os olhos do seu alvo predileto.
— Não sei em que melhor o possa empregar do que em praticar com um amigo,
respondeu o cavalheiro sorrindo.
— Mal vais com disfarces que dalgo não servem, que de mais descobrir a verdade. Digo
que perdes teu tempo, quando teimas que entre tantas damas gentis não haja uma por
quem desejes esta tarde tirar uma argolinha, ou correr um passe d\'armas.
— E para ti há alguma? perguntou o outro desviando de si a alusão.
— Bem sabes que sim. Não sou de segredos; tão santa coisa é o amor que Deus nos pôs
n\'alma, que não me peja de trazê-lo no rosto e à face de todos.
— As ...
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