Livro: A Viuvinha Página 4
Autor - Fonte: José de Alencar
...
mundo.
Ao entrar, o escravo preveniu-lhe que uma pessoa o esperava
no seu gabinete; o moço subiu apressadamente e dirigiu-
-se ao lugar indicado.
A pessoa que lhe fazia essa visita fora de horas era seu
antigo tutor, o amigo de seu pai, a quem por algum tempo
substituiu com a sua amizade sincera e verdadeira.
O sr. Almeida era um velho de têmpera antiga, como se
dizia há algum tempo a esta parte; os anos haviam aumentado
a gravidade natural de sua fisionomia.
Conservava ainda toda a energia do caráter, que se revelava
na vivacidade do olhar e no porte firme de sua cabeça
calva.
-- A sua visita a estas horas. disse o moço, entrando.
-- Admira-o? perguntou o sr. Almeida.
-- Certamente; não porque isto não me dê prazer; mas
acho extraordinário.
-- E com efeito o é; o que me trouxe aqui não foi o simples
desejo de fazer-lhe uma visita.
-- Então houve um motivo imperioso?
-- Bem imperioso.
-- Neste caso, disse o moço, diga-me de que se trata, sr.
Almeida ; estou pronto a ouvi-lo.
O velho tomou uma cadeira, sentou-se à mesa que havia
no centro do gabinete e, aproximando um pouco de si o candeeiro
que esclarecia o aposento, tirou do bolso uma dessas
grandes carteiras de couro da Rússia, que colocou defronte
de si.
O moço, preocupado por este ar grave e solene, sentou-se
em face e esperou com inquietação a decifração do enigma.
-- Chegando a casa há pouco, entregaram-me uma carta
sua, em que me participava o seu casamento.
-- Não o aprova? perguntou o moço inquieto.
-- Ao contrário, julgo que dá um passo acertado ; e é com
prazer que aceito o convite que me fez de assistir a ele.
-- Obrigado, sr. Almeida.
-- Não é isto, porém, que me trouxe aqui ; escute-me.
O velho recostou-se na cadeira e, fitando os olhos no moço,
considerou-o um momento, como quem procurava a palavra por
que devia continuar a conversa.
-- Meu amigo, disse o sr. Almeida, há cinco anos que seu
pai faleceu.
-- Trata-se de mim então
...
perguntou Jorge, cada vez mais
inquieto.
-- Do senhor e só do senhor.
-- Mas o que sucedeu?
-- Deixe-me continuar. Há cinco anos que seu pai faleceu;
e há três que, tendo o senhor completado a sua maiorida-
-de, eu, a quem o meu melhor amigo havia, confiado a sorte de
seu filho, entreguei-lhe toda a sua herança, que administrei
durante dois anos com o zelo que me foi possível.
-- Diga antes com uma inteligência e uma nobreza bem
raras nos tempos de hoje.
Não houve nada de louvável no que pratiquei; cumpri
apenas o meu dever de homem honesto e a promessa que fiz
a um amigo.
-- A sua modéstia pode ser dessa opinião; porém a minha
amizade e o meu reconhecimento pensam diversamente.
-- Perdão; não percamos tempo em cumprimentos. A
fortuna que lhe deixara seu pai e que ele ajuntara durante
trinta anos de trabalho e de privações, consistia em cem apólices
e na sua casa comercial, que representava um capital igual,
ainda mesmo depois de pagas as dívidas.
-- Sim, senhor, graças à sua inteligente administração,
achava-me possuidor de duzentos contos de réis, a que dei bem
mau emprego, confesso.
-- Não desejo fazer-lhe exprobrações ; o senhor não é mais
meu pupilo, é um homem; já não lhe posso falar com autoridade
de um segundo pai, mas simplesmente com a confiança
de um velho amigo.
-- Mas um amigo que me merecerá sempre o maior respeito.
-- Infelizmente o senhor não tem dado provas disto; durante
perto de um ano acompanhei-o como uma, sombra, importunei-
o com os meus conselhos, abusei dos meus direitos de amigo
de seu pai e tudo isto foi debalde.
-- É verdade, disse o moço, abaixando tristemente a cabeça,
para vergonha minha é verdade!
-- A vida elegante o atraía, a ociosidade o fascinava; o
senhor lançava pela janela às mãos cheias o ouro que seu pai
havia ajuntado real a real.
-- Basta; não me lembre esse tempo de loucura que eu
desejava riscar da minha vida.
-- Conheço que o incomodo; ...
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