Livro: Bairro dos Estranhos Página 2
Autor - Fonte: WILSON FRUNGILO JR.
...
os ligeiramente ondulados. Seus olhos, fundos nas órbitas,
nariz fino e a boca rasgada, dão-lhe, em seus trinta e sete anos de
idade, um ar de firmeza em suas atitudes.
Naquela sala, sempre que alguém chega, para velar o corpo,
outro sai pela cozinha, para dar lugar no cômodo, tão pequeno
que é.
— Coitado do Atílio.tão bom.
— E Rosalina, então. como trabalhava!
— Uma ótima esposa e dedicada mãe!
Atílio, por sua vez, ora em silêncio: — "Meu Deus, me
ajude. por favor." Lágrimas escorrem-lhe dos olhos.-"Ajude-me,
Jesus! Sempre procurei ser bom e creio em Deus. Se ainda não
ingressei, firmemente, em uma religião, é porque não consegui
encontrar a que satisfizesse todas as minhas dúvidas. Mas Deus
sabe o quanto oro em seu louvor e quanto o procuro em meu
modesto raciocínio. Me ajude, meu Deus e à minha filhinha!"
Quando coloca a filha na súplica, lágrimas mais grossas
brotam-lhe dos olhos e soluça. — "O que farei com ela? Como
trabalhar? Jesus, fazei com que consiga arranjar um lugar para
deixá-la, enquanto trabalho. um lugar com pessoas boas. como
minha esposa. (soluços). minha Lucinha. ela é tão
pequenina. tem apenas três aninhos."
Na verdade, Atílio acredita muito em Deus e aceita Cristo
como aquele que veio em missão salvadora e, apesar da
simplicidade em que vive, é muito inteligente, pois conseguira
estudar quando moço. Infelizmente, os reveses da vida não lhe
proporcionaram a oportunidade de arrumar um emprego à altura
de sua capacidade. Porém, é um eterno perseguidor das verdades
da vida, tentando, pelo raciocínio, chegar a esses mistérios.
Naquela sala, ninguém se aproxima dele para tentar lhe
confortar. Os olhares e as fisionomias dos homens, são de
profundo respeito, porém, são, também, duros e rudes,
acostumados que estão com a vida sofrida que levam. No íntimo,
sentem o drama do companheiro, mas, nada podem fazer e, da
mesma forma, sabem que nada conseguiriam dizer para
...
diminuirlhe
a dor.
Atílio, por sua vez, nem repara nesse pormenor, eis que o
sofrimento e a preocupação ocupam-lhe a mente, não permitindo
que pensamentos melindrosos a acometam.
Mais dez minutos se passam e os homens, que estão na
sala, dão lugar a um mesmo número de mulheres que, com véus a
lhes cobrir as cabeças, começam a rezar uma ladainha em
intenção de Rosalina Célia.
— "Jesus, — reza, mentalmente, Atílio, — ouça essas
preces e ajuda-me em tudo que lhe peço. Por favor." E o pranto,
mais uma vez, lhe inunda o rosto que, juntamente com o corpo
arqueado e alquebrado, treme e sacoleja no ritmo e ao sabor dos
soluços de dor e desespero.
Terminadas as preces, alguns poucos homens carregam a
uma mortuária pelas ruas até o cemitério que dista algumas
quadras do local. Rosalina Célia é, então, descida em uma cova
pública, isenta de ônus. Atílio sabe que, mais alguns anos e seus
restos serão removidos para uma vala comum, se não puder
comprar um local para eles e, naquele instante, pensa em fazer
disso um pequeno ideal: o de dar um sepulcro próprio para sua
amada esposa, mãe de Lucinha.
A volta ao lar é triste e preocupante, ansioso que está em
rever a filha e, ao mesmo tempo, amargurado por não saber o que
lhe dizer com respeito à sua mãe. Volta sozinho. Nenhum dos
amigos tem coragem de o acompanhar, visto não saberem o que
dizer a ele, numa situação dessas.
Passa, primeiro, pela casa, onde procura arrumar tudo da
melhor maneira possível, tornando ao lugar as cadeiras que
sustentaram o caixão mortuário. Quando está terminando de
ajeitar os poucos utensílios que foram utilizados na cozinha, ouve
vozes na porta de entrada. É dona Adele que vem trazendo
Lucinha, devolta. A menina, assim que entra na sala, corre para a
cozinha.
— Mamãe, papai! Mamãe.
Atílio a abraça apertada e demoradamente, principalmente,
para que a menina não veja as lágrimas que teimam em saltar-lhe
dos olh ...
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