Livro: A terra da paixão Página 2

... nda; morreria sufocada. Talvez, com sorte, se encontrasse receptividade em Porto Mort. Olhou na direção do movimento que captou à sua esquerda. Onde as pedras formavam um pequeno pico contra o horizonte, um caribu apareceu numa clareira. Com o coração aos pulos, ela tentou se aproximar. Talvez até conseguisse tirar uma foto. Logo percebeu que, saindo da estrada, o terreno era bastante acidentado, principalmente para quem carregava uma mochila pesada às costas. Assim, escondeu-a sob o primeiro arbusto que encontrou e tirou de dentro uma mochila menor, onde guardou a máquina fotográfica, duas maçãs e o cantil. Saiu em seguida, pisando com cautela nas pedras e na grama encharcada. Parou para aplicar repelente e notou, contendo a surpresa, que um filhote se juntara ao animal adulto. Os binóculos os aproximavam tanto que ela podia ver as folhas que os animais mastigavam. Lentamente, baixou os binóculos, atenta ao brilho das pedras, ao canto dos pássaros. Por uma indescritível fração de segundo, chegou a sentir-se parte do cenário. O momento passou, mas ficou registrado em seu coração. Suspirando, ela percebeu que um segundo caribu se aproximara dos demais, outra fêmea. Como uma gata, saltou sobre as pedras de um pântano. Os três animais estavam parados, pastando, e ela se aproximou sem ser notada, parando atrás de um arbusto macio. Agachou-se, sentou-se numa pedra e espichou as pernas, focalizando os binóculos. Os animais tinham uma pelagem brilhante, da cor do café com leite. Como seria bom acariciá-los! O tempo passou. Nell comeu uma maçã e tirou algumas fotos. Então ouviu o barulho de um motor. O jipe que apareceu em seguida tinha uma aparência de perua. Para seu desgosto, o carro parou e, pelo reflexo, ela percebeu que o motorista também usava binóculos. Escondeu-se para observá-lo sair do veículo. Era um homem. Nell não queria compartilhar seu isolamento com um homem, com ninguém, e torceu para que ele fosse embora. Mas o ...

desconhecido fechou a porta do veículo e atravessou a estrada na direção dos caribus, mancando um pouco. Normalmente, Nell não era uma pessoa anti-social, mas nada em sua vida vinha acontecendo de maneira normal desde o dia, em maio, em que decidira limpar o sótão da casa onde havia crescido, em Middelhoven, Holanda. Numa velha arca, descobrira o diário que pertencera a sua avó, Anna, uma figura nebulosa que conhecera na infância. Descera do sótão levando o diário e o lera naquela mesma noite. Desde então, apenas dois meses haviam se passado, mas pareciam uma vida toda. Nell percebeu que, como ela, o homem que descera do jipe tinha dificuldades em andar pelo terreno acidentado. Infelizmente, vinha em sua direção. Seria uma ironia dois seres humanos trombarem naquele fim de mundo isolado. Droga! Ele agora estava mais próximo. Trajava uma calça jeans e uma camisa xadrez em tons escuros, as mangas arregaçadas até o cotovelo, a tira dos binóculos atravessada no peito. Com certa inquietação, Nell percebeu que era alto, de ombros largos e musculosos, rosto de linhas duras e definidas. Tinha que fazer algo. Começou a levantar-se lentamente, planejando limpar a garganta para anunciar sua presença. Mas ele resolveu o problema. Escorregou, desequilibrou-se e tentou segurar-se num frágil ramo de lariço. Antes que Nell pudesse ajudá-lo, começou a praguejar copiosamente em francês. Parecia sentir dor. Ela se ergueu e, com a expressão grave, recitou o restante de impropérios em francês que ele omitira. O homem se voltou. Antes que tivesse tempo de protestar, Nell viu-se prensada contra a pedra por um corpo musculoso que quase machucou suas costas. As mãos enormes agarravam seus ombros, o rosto agressivo a poucos centímetros do seu. "Ele está louco!", Nell pensou, desamparada. "Atravessei o oceano para ser assassinada por um psicopata!" Todavia, não saíra da Europa sozinha sem antes aprender algumas coisas importantes. A adrenalina f ...

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