Livro: Antes do adeus Página 2

... que estar sempre impecável. De certo modo, era uma propaganda de sua própria loja. Precisava manter uma imagem. Felizmente, podia relaxar aos domingos, quando a Felina estava fechada. - Oh, hoje está um bocado frio! - Dulcie, sua assistente, exclamou ao chegar às cinco para as dez, como sempre fazia. Teve um arrepio de frio quando entrou na loja aquecida e foi diretamente para o fundo pôr uma chaleira no fogo para o café. - Vamos torcer para que o frio não assuste o que sobrou dos turistas! - Vamos torcer mesmo - Lorna concordou, sorrindo. Estava tomando nota de seu estoque de meias-calças. Vendia duas das marcas mais caras de meias, que eram compradas geralmente por impulso. Coisas como meias-calças, echarpes e cintos davam pouco lucro para a loja, mas ao mesmo tempo ocupavam pouco espaço. Além disso, Lorna aprendera por experiência própria que algumas vezes um pequeno acessório poderia ajudar a vender uma roupa caríssima. Fechou o bloco de notas e foi até a porta virar o cartaz de "Aberto". Depois, foi conversar com Dulcie. - Como foi seu fim de semana? - perguntou. Estavam numa quinta-feira, mas como Dulcie só trabalhava às quintas e sextas, não haviam se visto há quase uma semana. Lorna tinha outras assistentes no sábado, uma era estudante e a outra trabalhava também na segunda, terça e quarta. Das três, ela preferia Dulcie, uma mulher de quase quarenta anos e que a ajudava não porque precisasse do dinheiro, mas porque queria preencher seu tempo. - Ótimo - Dulcie respondeu, sorrindo. - Fomos jantar fora no sábado e tivemos a casa cheia de visitas no domingo. E você? Lorna sorriu, não se preocupando em responder, pois a outra sabia que ela passara seu fim de semana como sempre. Nas noites de sábado, conferia todo estoque da loja e punha em dia os livros de contabilidade, e nos domingos se resolvesse sair era só para ir ao restaurante ali perto e talvez dar uma volta a pé. De vez em quando ia a um concerto ou a um teatro, e ...

Londres, ou ali mesmo em Windsor. Lorna adorava Windsor, uma cidade tão cheia de personalidade e história, e durante a temporada tão cheia de turistas que vinham de todas as partes do mundo. Desde que fora morar lá, há um ano, tinha visto tudo que havia para ver e sabia quase tudo o que deveria saber sobre o lugar. Alguns habitantes locais não gostavam do bando de turistas mas, para Lorna, eles significavam vendas, e vendas significavam lucro. - Eu sei que esta loja é tudo para você - Dulcie disse cuidadosamente -, mas parece não ter uma vida pessoal, Lorna. Eu acho. . . O som do sininho na porta de fora da loja fez Dulcie levantar imediatamente e Lorna deixou-a atender o cliente. Dulcie era competente e uma boa vendedora, delicada e com muito tato. Enquanto tomava seu café, Lorna fez um esforço para afastar a leve irritação que as últimas palavras de Dulcie tinham provocado nela. Sabia que a outra a achava um pouco misteriosa. Em geral todos tinham essa opinião. Ninguém, a não ser Cathy, a compreendia; ninguém, a não ser ela, sabia o que a motivava, o que a irritava, o que a assustava ou a agradava. Mas era assim mesmo que Lorna queria que as coisas fossem. Não tinha o hábito de falar sobre si mesma e muito menos sobre sua família e seu passado. Sabia o que a sua assistente estava pensando, o que ela ia começar a dizer, e era verdade. Para uma moça de vinte e cinco anos, levava uma vida sossegada demais. Seu mundo girava em torno de seu negócio. Ela era uma pessoa amável. Tratava bem suas assistentes e suas freguesas. Mas não via razão nem necessidade de falar sobre si mesma. Por que contar aos outros o quanto tinha lutado para escapar da pobreza? Que razão teria para revelar que tinha jurado a si mesma que nunca, nunca mais, seria maltratada outra vez? Na verdade, se levava uma vida sossegada demais, era por escolha sua. Durante quase um ano, pela primeira vez em sua vida, sabia o que era ter paz. Pela primeira vez estava feli ...

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