Livro: Tudo que desejei Página 2

... um cinza-claro adquiriram uma expressão vazia. O arcebispo ergueu a mão para que parassem de rir, e o silêncio voltou a reinar no tribunal. Era hora de refletirem sobre a séria questão a resolver. — Bem, Truta? — perguntou o líder da Sociedade dos Bispos, com voz entediada. As risadas voltaram a ressoar. — É um bom apelido para você — prosseguiu, quando os risos diminuíram. —- Seus amigos o chamam assim? Por fim, Matthew piscou. Queria enxugar os olhos, ressecados pelo longo tempo que os deixara bem abertos, mas o gesto poderia ser interpretado de maneira errada. Ninguém pensaria que a causa de seus olhos lacrimejarem era a abundância de velas acesas na pequena sala, antiga adega da escola. Ficaria estigmatizado pelo resto da vida porque todos diriam que estivera prestes a chorar. Era melhor ser chamado de peixe que de menina, refletiu. —Chamam, Truta? — repetiu o arcebispo com impaciência. Aos quatorze anos, não era o membro mais velho da Sociedade, mas sem dúvida o líder ideal. Era um belo jovem seguro de si, muito inteligente para ser convencido, mas pouco amadurecido para demonstrar clemência. — Não — respondeu Matthew com simplicidade. O arcebispo ergueu de leve as sobrancelhas, e um murmúrio de desaprovação percorreu o tribunal. — Não? — Não, Vossa Excelência. — Matthew não sabia qual a forma de tratamento correta para o arcebispo, e gaguejou: — Quero dizer, não, meus amigos não me chamam de Truta. Albion Geoffrey Godwin, lorde Barlough, permitiu-se um leve sorriso. — Boa resposta — o arcebispo comentou após um instante. — Entretanto me parece falsa. Matthew fitou-o sem compreender. O arcebispo tratou de esclarecer. — Não somos seus amigos, Truta? — Creio que isso ainda deve ser levado à votação, Vossa Excelência. O jovem lorde Barlough aquiesceu. — Muito justo. — Fitou os amigos à direita e à esquerda, transmitindo uma muda mensagem sem mover um só músculo do rosto. � ...

� Porém, a votação é apenas uma formalidade. Está aqui porque o convidamos a vir, e nenhuma audiência da Sociedade dos Bispos é concedida de modo leviano. Isso, em termos da Sociedade, significava que o visconde Southerton fora assaltado por dois meninos no pátio de Hambrick Hall, amarrado, amordaçado, vendado e carregado para aquela sala nos subterrâneos da escola. Chamar essa reunião de audiência, quando na verdade era um julgamento, explicava o costume da Sociedade de mascarar a verdade com palavras polidas. Arcebispo de Canterbury. Matthew quase sorriu ao lembrar do título. O jovem lorde Barlough não iria gostar de saber o apelido que os alunos fora da Sociedade lhe davam, aludindo a um personagem histórico. Era evidente, porém, que como muitos desejavam pertencer àquele grupo muito fechado, Matthew e seus amigos nunca zombavam do líder da Sociedade em público. Existiam muitos espiões ao redor. Desde os primórdios de Hambrick Hall, a Sociedade dos Bispos existia. As origens da organização eram um mistério para os não-iniciados. Dentro da Sociedade, sua história era perpetuada oralmente, de arcebispo a arcebispo, tradição mantida há quase duzentos anos. O relato era passado de modo ininterrupto de líder para líder entre gerações de meninos. Southerton jamais se sentira muito curioso a respeito das origens da Sociedade, ou dela em si. Quando chegara a Hambrick Hall havia três anos, ouvira falar dos Bispos assim que começara a desfazer as malas. Tratara de esquecê-los, muito mais interessado em saber o que haveria para o jantar. Um tanto distante a respeito do que se passava no mundo ao seu redor, estudante mediano, amigável mas não gregário, cooperativo porém não obsequioso, Matthew mantivera-se indiferente em relação à Sociedade, até o último período letivo. E as férias não haviam arrefecido o clima do terrível grupo. Ao contrário, Matthew suspeitava que, enquanto utilizara o tempo fora de Hambrick Hall par ...

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