Livro: A Semana Página 3
Autor - Fonte: Machado de Assis
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imeiro que compôs esta
frase, depois de escrever no alto do artigo o nome de um cidadão. Quem inventou a pólvora? Quem
inventou a imprensa, descontando Gutenberg, porque os chins a conheciam? Quem inventou o bocejo,
excluindo naturalmente o Criador, que, em verdade, não há de ter visto sem algum tédio as impaciências
de Eva? Sim, pode ser que na alta mente divina estivesse já o primeiro consórcio e a conseqüente
humanidade. Nada afirmo, porque me falta a devida autoridade teológica; uso da forma dubitativa.
Entretanto, nada mais possível que a Criação trouxesse já em gérmen uma longa espécie superior,
destinada a viver num eterno paraíso.
Eva é que atrapalhou tudo. E daí, razoavelmente, o primeiro bocejo.
—Como esta espécie corresponde já à sua índole! diria Deus consigo. Há de ser assim sempre,
impaciente, incapaz de esperar a hora própria. Nunca os relógios, que há de inventar, andarão todos
certos. Por um exato, contar-se-ão milhões divergentes, e a casa em que dous marearem o mesmo minuto.
não apresentará igual fenômeno vinte e quatro horas depois. Espécie inquieta, que formará reinos para
devorá-los, repúblicas para dissolvê-las, democracias, aristocracias, oligarquias, plutocracias, autocracias,
para acabar com elas, à procura do ótimo, que não achará nunca.
E, bocejando outra vez, terá Deus acrescentado:
— O bocejo, que em mim é o sinal do fastio que me dá este espetáculo futuro, também a espécie humana
o terá, mas por impaciência. O tempo lhe parecerá a eternidade. Tudo que lhe durar mais de algumas
horas, dias, semanas, meses ou anos (porque ela dividirá o tempo e inventará almanaques, há de torná-la
impaciente de ver outra cousa e desfazer o que acabou de fazer, às vezes antes de o ter acabado.
Compreenderá as vacas gordas, porque a gordura dá que comer, mas não entenderá as vacas magras; e
não saberá (exceto no Egito, onde porei um mancebo chamado José) encher os cele
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ros dos anos graúdos,
para acudir à penúria dos anos miúdos. Falará muitas línguas, beresith, ananké, habeas corpus, sem se
fixar de vez em uma só, e quando chegar a entender que uma língua única é precisa, e inventar o volapuk,
sucessor do parlamentarismo, terá começado a decadência e a transformação. Pode ser então que eu
povoe o mundo de canários.
Mas se assim explicarmos o primeiro bocejo divino, como acharmos o primeiro bocejo humano? Trevas
tudo. O mesmo se dá com o nome que encima estas linhas. Nem me lembra em que ano apareceu a
fórmula. Bonita era, e o verbo encimar não era feio. Entrou a reproduzir-se de um modo infinito. Toda a
gente tinha um nome que encimar algumas linhas. Não havia aniversário, nomeação, embarque,
desembarque, esmola, inauguração, não havia nada que não inspirasse algumas linhas a alguém, — às
vezes com o maior fim de encimá-las por um nome. Como era natural, a fórmula foi-se gastando—mas
gastando pelo mesmo modo por que se gastam os sapatos econômicos, que envelhecem tarde. E todos os
nomes do calendário foram encimando todas as linhas; depois, repetiram-se:
Si cette histoire vous embête
Nous allons la recommencer.
[100]
[26 junho]
\\\'\\\'O MINISTÉRIO grego pediu demissão. O Sr. Tricoupis foi encarregado de organizar novo ministério,
que ficou assim composto: Tricoupis, presidente do conselho e Ministro da Fazenda."
Basta! Não, não reproduzo este telegrama, que teve mais poder em mim que toda a mole de
acontecimentos da semana. O ministério grego pediu demissão! Certo, os ministérios são organizados
para se demitirem e os ministérios gregos não podem ser, neste ponto, menos ministérios que todos os
outros ministérios. Mas, por Vênus! foi para isso que arrancaram a velha terra às mãos turcas? Foi para
isso que os poetas a cantaram, em plena manhã do século, Byron, Hugo, o nosso José Bonifácio, autor da
bela "Ode aos Gregos"? "Sois helenos! sois homens ...
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Comentários:
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