Livro: Viagem ao Parnaso Página 2
Autor - Fonte: Artur Azevedo
...
eram esses que te levavam a
aconselhar-me a que te não pedisse?
LAURA - Pois nunca tos disse?
GILBERTO - Nunca.
LAURA - Papai tem a mania de fazer versos, sem que, para isso, houvesse sido fadado pela
natureza. - Não fala noutra coisa: é poesia para cá, poesia para acolá! Tem até um criado que
faz versos, e mesmo os improvisa!
GILBERTO - O Albino?
LAURA - O Albino. Não sabes que é obrigado a não falar senão em verso?
GILBERTO - Deveras?
LAURA - Foi essa uma das condições da sua admissão nesta casa.
GILBERTO - Por isso é que o outro dia, estando teu pai sentado a tomar fresco no Passeio
Público, o Albino aproximou-se dele, e disse-lhe:
"Meu amo, está posta a mesa
Vá para casa jantar;
A menina com certeza
Não pode mais esperar."
LAURA - Vê tu que desaforo! O metro e a rima obrigam-no a pregar mentira:
"A menina com certeza
Não pode mais esperar!"
Não imaginas que comédia! Papai, quando quer fazer versos, bate. na testa, olha para o teto,
conta sílabas nos dedos, faz trinta mil caretas, e não consegue nada. Afinal chama pelo Albino
e.
GILBERTO - É original!
LAURA - Mas vamos ao que importa. Acho que papai não será capaz de dar-me em casamento
a um homem que não seja poeta. Todos os dias ele me diz: "Minha filha a prosa é terrena e vil,
a poesia é celeste e nobre!" Não te engraces de algum marreco que não conheça as nove filhas
de Apolo!
GILBERTO (Resolutamente.) - Ora! hoje mesmo venho pedir-te em casamento. Teu pai,
provavelmente, pergunta se sou poeta. Nada mais simples: dir-lhe-ei que sim.
LAURA - E depois?
GILBERTO - Depois, não me custará ter também, como ele, o meu alter-ego. Depois que
estivermos casados, dir-lhe-ei a verdade, e ele nada poderá fazer.
LAURA - Bravo! És um rapaz decidido.
GILBERTO - Virei hoje mesmo.
LAURA - Não te acanhes. Apresenta-te com todo desembaraço!
GILBERTO - Tranqüiliza-te! (Ouve-se Melo tossir.)
[LAURA] - Aí vem papai. Foge!
GILBERTO - Ora! no melhor da fe
...
ta! (Beija-a e salta pela janela. Melo entra a ler um papel.)
LAURA (Consigo, enquanto Melo desce ao proscênio.) - Ora! O Gilberto podia ter ficado. Papai,
quando está com a Musa, não dá pela presença de ninguém.
CENA II
LAURA e MELO
MELO (A ler.)
- Em seu carro doirado o dino Febo
Vem dando ao horizonte rubra cor.
(Pensa e repete pausadamente.)
Vem dando ao horizonte rubra.
LAURA - Como passou a noite, papai?
MELO (Sem lhe dar ouvido.)
- Vem dando ao horizonte rubra cor.
LAURA (À parte.) - É sempre assim! (Alto.) Papai, como passou a noite?
MELO (Sem desviar os olhos do papel.)
- Adeus.
Em seu carro doirado o dino Febo.
(Sem olhar para Laura.) Ó menina?
LAURA - Papai?
MELO - Dás-me uma rima para Febo?
LAURA - Cego.
MELO - Cega estás tu, minha tonta. (Lê.)
Em seu carro doirado o dino Febo
Vem dando ao horizonte rubra cor.
(Declamando.) Não fica bom. Este dino Febo é o diabo (Pensando.) Em seu carro doirado o
Febo dino. Febo dino ainda é pior que dino Febo. Parece que se trata de alguém que se chama
Febodino.
Em seu carro doirado Febodino.
Já não sei a quantas ando. (Chamando.) Ó Albino. (Limpa o suor e continua.)
Em seu doirado carro Febo. Febo.
Copla
Oh! que inferno! Fico tonto!
Tenho as fontes a estalar!
Pois já pronto ou quase pronto
Isto aqui devia estar!
Virgem Santa! perco o juízo!
Doido a musa me há de pôr!
Nunca faço um improviso
Sem três dias de labor!
(Entra Albino.)
CENA III
MELO, LAURA e ALBINO
MELO - Ah! vem cá, meu rapaz, tira-me deste embaraço. Quero dizer em verso a coisa mais
natural deste mundo. quando é em prosa. Amanhã faz anos o Comendador Lopes, que é meu
compadre. É meu costume felicitá-lo todos os anos com um improviso, e hoje, mais do que nos
outros anos, vem a propósito a versalhada, porque ele está na diretoria de três bancos e de seis
companhias, é tesoureiro de uma loteria, e já anda de carro próprio. O Comendador faz
quarenta anos amanhã. Principiei a ...
Warning: Undefined global variable $_POST in
/home4/mult6346/multiajudaromances.com.br/livro.php on line
252
Comentários:
Warning: Undefined global variable $_POST in
/home4/mult6346/multiajudaromances.com.br/livro.php on line
258
Warning: Trying to access array offset on value of type null in
/home4/mult6346/multiajudaromances.com.br/livro.php on line
258
Deixe aqui seu comentário sobre este livro: