Livro: A Mensageira das Violetas Página 2
Autor - Fonte: Florbela Espanca
...
ade?!
Donde vem essa voz, ó mar amigo?.
.Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!
CRAVOS VERMELHOS
Bocas rubras de chama a palpitar,
Onde fostes buscar a cor, o tom,
Esse perfume doido a esvoaçar,
Esse perfume capitoso e bom?!
Sois volúpias em flor! Ó gargalhadas
Doidas de luz, ó almas feitas risos!
Donde vem essa cor, ó desvairadas,
Lindas flores d´esculturais sorrisos?!
.Bem sei vosso segredo.Um rouxinol
Que vos viu nascer, ó flores do mal
Disse-me agora: "Uma manhã, o sol,
O sol vermelho e quente como estriga
De fogo, o sol do céu de Portugal
Beijou a boca a uma rapariga."
ANSEIOS
À minha Júlia
Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!.
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!
Não ´stendas tuas asas para o longe.
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!.
A ANTO!
Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal, Ao escrever o Só pensaste enternecido Que era o mais triste livro deste Portugal,
Pensaste nos que liam esse teu missal, Tua bíblia de dor, teu chorar sentido Temeste que esse altar pudesse fazer mal Aos que comungam nele a soluçar contigo!
Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos, Soluços que eu uni e que senti dispersos Por todo o livro triste! Achei teu coração.
Amo-te como não te quis nunca ninguém, Como se eu fosse, ó Anto, a tua própria mãe Beijando-te já frio no fundo do caixão!
NOITE TRÁGICA
O pavor e a angústia andam dançando.
Um sino grita endechas de poentes.
Na meia-noite d´hoje, soluçando,
Que presságios sinistros e dolentes!.
Tenho medo da noite!. Padre nosso
Que estais no céu. O que minh´
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lma teme!
Tenho medo da noite!. Que alvoroço
Anda nesta alma enquanto o sino geme!
Jesus! Jesus, que noite imensa e triste!
A quanta dor a nossa dor resiste
Em noite assim que a própria dor parece.
Ó noite imensa, ó noite do Calvário,
Leva contigo envolto no sudário
Da tua dor a dor que me não ´squece!
ERRANTE
Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.
Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura.
Meu coração não chega lá decerto.
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto.
Eu tecerei uns sonhos irreais.
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
CEGUEIRA BENDITA
Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago.
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho.
Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!.
E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!
JUNQUILHOS.
Nessa tarde mimosa de saudade Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh\\\'alma apaixonada Nas folhas perfumadas duma flor.
E como a alma, dessa florzita, Que é minha, por ti palpita amante! Oh alma doce, pequenina e branca, Conserva o teu perfume estonteante!
Quando fores velha, emurchecida e triste, Recorda ao meu amor, com teu perfume A paixão que deixou e qu\\\'inda existe.
Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde, Que venha aquecer-se ao brando lume Dos meus olhos que morrem de saudade!
MENTIRAS
Ai quem me dera uma feliz mentira
que fosse uma verdade para mim!
J. ...
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