Livro: Animais Nossos Irmãos Página 3
Autor - Fonte: Eurípedes Kuhl
...
do.
Magro, asqueroso, revoltante, imundo.
Para dizer numa palavra tudo.
Foi o mais feio cão que houve no mundo.
Recebi-o das mãos d\'um camarada.
Na hora da partida. O cão gemendo, não me queria acompanhar por nada.
Enfim – mau grado seu - o vim trazendo.
O meu amigo cabisbaixo, mudo, Olhava-o.
O sol nas ondas se abismava.
"Adeus" - me disse - e ao afagar Veludo, nos olhos seus o pranto borbulhava.
"Trata-o bem. Verás como rasteiro. Te indicará os mais sutis perigos.
Adeus! E que este amigo verdadeiro te console no mundo ermo de amigos."
Veludo a custo habituou-se à vida.
Que o destino de novo lhe escolhera.
Sua rugosa pálpebra sentida, chorava o antigo dono que perdera.
Nas longas noites de luar brilhante, febril, convulso, trêmulo, agitando a sua
cauda - caminhava errante.
À luz da lua - tristemente uivando.
Toussenel, Figuier e a lista imensa.
Dos modernos zoológicos doutores,
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.
Lembro-me ainda.
Trouxe-me o correio, cinco meses depois, do meu amigo um envelope
fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! Era um artigo.
Contendo a narração miúda e exata da travessia. Dava-me importante notícias
do Brasil e de La Plata.
Falava em rios, árvores gigantes.
Gabava o "steamer" que o levou; dizia que ia tentar inúmeras empresas.
Contava-me também que a bordo havia mulheres joviais - todas francesas.
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Assombrava-se muito da ligeira, moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso duma passageira.
Mil cousas mais de que me não recordo.
Finalmente, por baixo disso tudo em nota bene do melhor cursivo,
recomendava o pobre do Veludo, pedindo a Deus que o conservasse vivo.
Enquanto eu lia, o cão tranqüilo e atento, me contemplava, e creia que é
verdade.Vi, comovido, vi nesse momento seus olhos gotejarem de saudade.
Depois lambeu-me as mãos humildemente, estendeu-se a meus pés silencioso,
movendo a cauda - e adormeceu contente.
Farto d\'um pu
...
o e satisfeito gozo.
Passou-se o tempo.
Finalmente um dia, vi-me livre daquele companheiro.
Para nada Veludo me servia.
Dei-o à mulher d\'um velho carvoeiro.
E respirei! "Graças a Deus! Já posso".
Dizia eu "viver neste bom mundo, sem ter que dar diariamente um osso a um
bicho vil, a um feio cão imundo."
Gosto dos animais, porém prefiro, a essa raça baixa e aduladora.
Um alazão inglês, de sela ou tiro.
Ou uma gata branca cismadora.
Mal respirei, porém!
Quando dormia, e a negra noite amortalhava tudo, senti que à minha porta
alguém batia.
Fui ver quem era. Abri. Era Veludo.
Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo, farejou toda a casa satisfeito, e
de cansado foi rolar dormindo, como uma pedra, junto do meu leito.
Praguejei furioso.
Era execrável, suportar esse hóspede inoportuno.
Que me seguia como o miserável, ladrão, ou como um pérfido gatuno.
E resolvi-me enfim.
Certo, é custoso, dizê-lo em alta voz e confessá-lo:
Para livrar-me desse cão leproso, havia um meio só: era matá-lo.
Zunia a asa fúnebre dos ventos.
Ao longe o mar na solidão gemendo, arrebentava em uivos e lamentos.
De instante a instante ia o tufão crescendo.
Chamei Veludo; ele seguiu-me.
Enquanto, a fremente borrasca me arrancava dos frios ombros o revolto
manto.
E a chuva meus cabelos fustigava.
Despertei um barqueiro.
Contra o vento, contra as ondas coléricas vogamos.
Dava-me força o tôrvo pensamento.
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Peguei num remo - e com furor remamos.
Veludo à proa olhava-me choroso, como o cordeiro no final momento.
Embora! Era fatal! Era forçoso.
Livrar-me enfim desse animal nojento.
No largo mar ergui-o nos meus braços, e arremessei-o às ondas de repente.
Ele moveu gemendo os membros lassos, lutando contra a morte. Era pungente.
Voltei a terra - entrei em casa.
O vento, zunia sempre na amplidão, profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento.
De Veludo nas ondas moribundo.
Mas ao despir dos ombros meus o manto, notei. Oh, gran ...
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