Livro: Encarnação Página 4
Autor - Fonte: José de Alencar
...
hecimento, outras que
via pela primeira vez. Notou entre estas uma moça alva, de cabelos negros; era Julieta. Sem que lho
dissessem, por uma rápida intuição, adivinhou que fora ela a intérprete inspirada da música de Donizetti.
Teve pois uma decepção. Ele imaginara sempre uma Lucia, loura como a filha das nevoentas
montanhas da Escócia; e vinha achar a sua cópia em um tipo tão oposto.
Hermano demorou-se mais do que tencionara; ficou até o fim da partida. Por mais de uma vez
aproximou-se de Julieta e conversou com ela. Quando se recolheu, cantava mentalmente o Bell\'anima, que
ouvira executado por Mirati; e pensava que talvez Lucia, apesar de escocesa, tivesse cabelos pretos como a
Maria Stuart de Walter Scott.
Julieta era filha de um coronel reformado de nosso Exército, que servira por algum tempo em
Goiás. Na sua primeira expedição para aquela província acompanhou-o a mulher apesar de estar mui
próxima a dar à luz. A menina nascera em viagem.
Uma escrava que o oficial trazia, fatigada das jornadas, mal podia acudir à senhora.
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Foi pois o furriel Abreu que serviu de ama-seca à menina; e tal amizade tomou-lhe que não quis
mais separar-se dela. Completando o tempo de serviço obteve baixa e ficou em companhia do oficial como
agregado.
Hermano freqüentou a casa do Coronel Soares. Pouco mais de mês depois do seu primeiro encontro
com Julieta, manifestou-lhe os seus sentimentos, que aliás já eram conhecidos da moça, e pediu-lhe um
consentimento, que tinha razão de esperar.
Ela ficou um momento pensativa; depois disse com o tom grave de uma convicção profunda:
— O casamento é uma fatalidade.
Como Hermano interrogava-lhe o semblante para conhecer o sentido de suas palavras, ela
acrescentou:
— Meu marido há de pertencer-me de corpo e alma, como eu a ele, e para sempre. É assim que
entendo o casamento.
— Penso da mesma maneira.
— Para sempre é eternamente.
— Compreendi todo o seu pensamento, Julieta, e
...
ão imagina o meu júbilo por encontrar tão
perfeita identidade de sentimentos na mulher a quem amo. Sempre acreditei que o casamento não deve ser
uma simples união social, mas a formação da alma criadora e mãe, da alma perfeita, de que nós não somos
senão as parcelas esparsas. Essa alma uma vez formada, só Deus a pode dividir e mutilar.
O casamento realizou-se pouco tempo depois; e os noivos foram morar na casa de São Clemente, a
qual tinha sido preparada com esmero para recebê-los.
Abreu acompanhou sua filha de criação. Ele a tinha recebido em seus braços ao nascer, e contava
não deixá-la senão quando Deus o chamasse.
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Capítulo 3
Aquela casa de São Clemente foi para os noivos o ninho do amor e da felicidade; mas o ninho
perene, sem estações, sem primavera, sem lua-de-mel.
Essa ardente efusão de duas existências durava desde o primeiro instante, não tinha lapsos nem
desmaios.
Hermano aproximava-se dos trinta anos, e vivera muito nesse tempo. Julieta aos vinte anos não
conhecia o mundo; e seu coração virgem era um manancial de ternura.
Que diálogo inefável entre aquela inteligência pródiga e essa inocência ávida de saber, rica de
afeto?
O passado de Hermano, desde a primeira infância até o casamento, Julieta queria vivê-lo, dia por
dia, hora por hora, se fosse possível, para amar seu marido em cada um desses momentos anteriores a ela.
O presente não lhe bastava. nem o futuro. Carecia de remontar-se à origem dessa existência que lhe
pertencia, para soldá-la ainda mais intimamente a si, de modo que não lhe fosse possível marcar a época de
sua união. Então o casamento teria sido apenas a consagração social do vínculo de duas almas gêmeas
Por seu lado Hermano sentia também a necessidade de vazar no coração ingênuo e casto da esposa,
como em um crisol, os seus pensamentos, as idéias de que a sociedade o imbuíra; e assim apurar sua
consciência naquela chama celeste.
Sua individualidade, ...
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