Livro: Encarnação Página 3
Autor - Fonte: José de Alencar
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vinha-lhe
ao encontro, recebia-o sem parar com a máscara muda e impassível da abstração, e logo o despachava com
um aperto de mão automático.
Estas alternativas sucediam-se por fases; duravam semanas e meses. A fisionomia denunciava logo
a conjunção desse espírito com o mundo. Havia nele, como em todos nós, dois homens, o íntimo e o social; a
diferença é que nele as duas faces revezam-se, enquanto que nos outros elas de ordinário são fixas e formam
o direito e o avesso do indivíduo.
Ainda mesmo nos seus dias de misantropia o semblante do Sr. Hermano era tão modesto e sereno
que ninguém via na sua desatenção orgulho ou falta de civilidade.
Atribuíam estas desigualdades de caráter ao gênio e não se ofendiam com elas. Em geral os
vizinhos e conhecidos o saudavam sempre cordialmente, embora ele passasse sem olhá-los.
Do que poucos sabiam, e só alguns amigos se lembravam, era da primeira mocidade de Hermano,
quando ele passava por um dos mais brilhantes cavalheiros dos salões fluminenses. Sua graça natural, o
primor de suas maneiras, e as seduções do seu espírito, o distinguiam entre todos como um tipo de elegância.
Eram os arrebóis dessa esplêndida mocidade que ele ainda mostrava nos seus momentos de
expansão, quando desprendia-se da constante preocupação.
Um dia, no meio de seus triunfos, quando a sua estrela mais brilhava, correu a noticia de que
Hermano estava para casar-se, o que não devia surpreender em sua idade. Foi, porém, geral a admiração
quando se soube que D. Julieta, a moça por quem se apaixonara a ponto de sacrificar-lhe a liberdade. não era
rica nem bonita.
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Ninguém esperava que ele, nas condições de pretender as filhas dos primeiros capitalistas e de
escolher, entre as mais aristocráticas belezas da Corte, fizesse um casamento tão desvantajoso.
D. Julieta não freqüentava a alta sociedade; mas algumas pessoas da creme a tinham encontrado
por vezes em partidas familiares; e essas c
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mpreenderam a repentina paixão que ela tinha inspirado ao noivo.
Como estátua a moça era um esboço imperfeito, ainda mesmo com as correções que aplica o molde
de um traje elegante, ou a feliz disposição dos enfeites.
Imagine-se que um cinzel inspirado idealizava esse esboço e dava às linhas do perfil a harmonia
que lhes negara a natureza. Tal seria, não o retrato de Julieta, mas o tipo que sua pessoa refletiria na
imaginação do artista a quem servisse de modelo.
Havia em seu olhar, em sua voz, em seus movimentos, inflexões maviosas, mas de tão vivo relevo
que se esculpiam como se tomassem corpo. Depois de apagar-se o gesto, sentia-se ainda a sua doce
impressão no vulto a que animara.
O espírito fino, meigo e gentil de Julieta não tinha expansões brilhantes. Era modesto, e às vezes
tímido. Entretanto o que ela dizia, por mais simples que fosse, trazia o calor de uma emoção íntima. Sua
palavra exalava os perfumes de uma alma em flor.
Ao seu lado e conversando com ela, um homem de rigor estético poderia esquivar-se ao enlevo que
infundia a suprema distinção dessa moça, e notar em suas feições e em seu talhe a ausência da beleza
plástica.
Mas apartando-se dela e perdendo-a de vista, raro era o que não levava na fantasia um ideal suave e
gracioso, que ofuscava a imagem das mais radiantes formosuras de salão.
O primeiro encontro de Hermano com a noiva explica bem a influência que ela devia exercer em
sua vida.
Ao sair do teatro lembrou-se do convite que recebera para uma partida em casa de pessoa de sua
amizade, a quem devia atenções. Dirigiu-se para lá, com a intenção apenas de fazer ato de presença.
Quando entrou no saguão, cantava uma senhora a ária da Lucia de Lammermaar. A voz, que não
era extensa, comoveu-o. Parou para escutar; e viu desenhar-se em seu espírito a imagem esbelta e vaporosa
da virgem que o amor enlouquecera.
Terminado o canto, subiu. Havia na sala muitas senhoras, algumas de seu con ...
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