Livro: Encarnação
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Autor - Fonte: José de Alencar
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José de Alencar
Capítulo 1
Conheci outrora uma família que morava em São Clemente.
Havia em sua casa agradáveis reuniões de que fazia os encantos uma filha, bonita moça de dezoito
anos, corada como a aurora e loura como o sol.
Amália seduzia especialmente pela graça radiante e pela viçosa e ingênua alegria, que manava dos
lábios vermelhos como dos olhos de topázio, e lhe rorejava a lúcida beleza.
Sua risada argentina era a mais cintilante das volatas que ressoavam entre os rumores festivos da
casa, onde à noite o piano trinava sob os dedos ágeis da melhor discípula do Arnaud .
Acontecia-lhe chorar algumas vezes por causa de um vestido que a modista não lhe fizera a gosto,
ou de um baile muito desejado que se transferia; mas essas lágrimas efêmeras que saltavam em bagas dos
grandes olhos luminosos, iam nas covinhas da boca transformar-se em cascatas de risos frescos e
melodiosos.
Tinha razão de folgar.
Era o carinho dos pais e a predileta de quantos a conheciam. Muitos dos mais distintos moços da
Corte a adoravam.
Ela, porém, preferia a isenção de menina; e não pensava em escolher um dentre tantos apaixonados,
que a cercavam.
Os pais, que desejavam muito vê-la casada e feliz, sentiam quando ela recusava algum partido
vantajoso.
Mas reconheciam ao mesmo tempo que formosa, rica e prendada como era, a filha tinha o direito
de ser exigente; e confiavam no futuro.
Outra e bem diversa era a causa da indiferença da moça.
Amália não acreditava no amor. A paixão para ela só existia no romance.
Os enlevos de duas almas a viverem uma da outra não passavam de arroubos de poesia, que davam
em comédia quando os queriam transportar para o mundo real.
Tinha sobre o casamento idéias mui positivas.
Considerava o estado conjugal uma simples partilha de vida, de bens, de prazeres e trabalhos.
Estes, não os queria; os mais, ela os possuía e gozava, mesmo solteira, no seio de sua família.
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Era feliz; não compreendia, p
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rtanto, a vantagem de ligar-se para sempre a um estranho, no qual
podia encontrar um insípido companheiro, se não fosse um tirano doméstico
Estes pensamentos, Amália não os enunciava, nem os erigia em opiniões. Eram apenas os impulsos
íntimos de sua vontade; obedecendo a eles, não tinha a menor pretensão à excentricidade.
Ao contrário, como sabia do desejo dos pais, aceitava de boa mente a corte de seus admiradores.
Mas estes bem percebiam que para a travessa e risonha vestal dos salões, o amor não era mais do que um
divertimento de sociedade, semelhante à dança ou à música.
Conservando sua independência de filha querida, e moça da moda, Amália não nutria prejuízos
contra o casamento, que aliás aceitava como uma solução natural para o outono da mulher.
Ela bem sabia, que depois de haver gozado da mocidade, no fim de sua esplêndida primavera, teria
de pagar o tributo à sociedade, e como as outras escolher um marido, fazer-se dona de casa, e rever nos filhos
a sua beleza desvanecida.
Ate lá, porém, era e queria ser flor. Das suas lições de botânica lhe ficara bem viva esta recordação,
que o fruto só desponta quando as pétalas começam a fanar-se; se vem antes disso, eiva.
Esta moça pertencia a uma variedade de mulher, que se pode bem classificar como o gênero rosa.
São elegâncias que só florescem bem no clima ardente do baile, ao sol do gás. A luz é a alma de sua
formosura. Na sombra desfalecem e murcham.
Amália vivia no salão; só o deixava para repousar. Seu dia era a noite com os lustres por astros.
Quando em toda a cidade não havia divertimento algum que a atraísse, ela passava a noite em casa; mas com
o seu piano, o seu contentamento e a sua graça improvisava uma festa.
A volubilidade desse gênio não era, como alguns supunham, efeito de uma alma fria, indiferente e
egoísta. Enganavam-se aqueles que viam na filha do Sr. Veiga uma dessas moças embotadas pela vida
precoce da sala.
Ao contrá ...
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