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A Dívida

Livro: A Dívida

Autor - Fonte: Artur Azevedo

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... Artur Azevedo I Montenegro e Veloso formaram-se no mesmo dia, na Faculdade de Direito de São Paulo. Depois da cerimônia da colação do grau, foram ambos enterrar a vida acadêmica num restaurante, em companhia de outros colegas, e era noite fechada quando se recolheram ao quarto que, havia dois anos, ocupavam juntos em casa de umas velhotas na Rua de São José. Aí se entregaram à recordação da sua vida escolástica, e se enterneceram defronte um do outro, vendo aproximar-se a hora em que deviam separar-se, talvez para sempre. Montenegro era de Santa Catarina e Veloso do Rio de Janeiro; no dia seguinte aquele partiria para Santos e este para a capital do Império. As malas estavam feitas. - Talvez ainda nos encontremos, disse Montenegro. O mundo dá tantas voltas! - Não creio, respondeu Veloso. Vais para a tua província, casas-te, e era uma vez o Montenegro. - Caso-me?! Aí vens tu! Bem conheces as minhas idéias a respeito do casamento, idéias que são, aliás, as mesmas que tu professas. Afianço-te que hei de morrer solteiro. - Isso dizem todos. - Veloso, tu conheces-me há muito tempo: já deves estar farto de saber que eu quando digo, digo. - Pois sim, mas há de ser difícil que em Santa Catarina te possas livrar do conjugo vobis. Na província ninguém toma a sério um advogado solteiro. - Enganas-te. Os médicos, sim; os médicos é que devem ser casados. - Não me engano tal. Na província o homem solteiro, seja qual for a posição que ocupe, só é bem recebido nas casas em que haja moças casadeiras. - Quem te meteu essa caraminhola na cabeça? - Se fosses, como eu, para a Corte, acredito que nunca te casasses; mas vais para o Desterro: estás aqui estás com uma ninhada de filhos. Queres fazer uma aposta? - Como assim? - O primeiro de nós que se casar pagará ao outro. Quanto? - Vê tu lá. - Deve ser uma quantia gorda. - Um conto de réis. - Upa! Um conto de réis não é dinheiro. É preciso que a aposta seja ...
e vinte contos, pelo menos. - Ó Veloso, tu estás doido? Onde vamos nós arranjar vinte contos de réis? - O diabo nos leve se aqueles canudos não nos enriquecerem - Está dito! Aceito! Mas olha que é sério! - Muito sério. Vai preparando papel e tinta enquanto vou comprar duas estampilhas. - Sim, senhor! Quero o preto no branco! Há de ser uma obrigação recíproca, passada com todos os efes e erres! Veloso saiu e logo voltou com as estampilhas. - Senta-te e escreve o que te vou ditar. Montenegro sentou-se, tomou a pena, mergulhou-a no tinteiro, e disse: - Pronto. Eis o que o outro ditou e ele escreveu: "Devo ao Bacharel Jaime Veloso a quantia de vinte contos de réis, que lhe pagarei no dia do meu casamento, oferecendo como fiança desse pagamento, além da presente declaração, a minha palavra de honra." - Agora eu! disse Veloso, sentando-se: "Devo ao Bacharel Gustavo Montenegro a quantia de vinte contos de réis. etc." As declarações foram estampilhadas, datadas e assinadas, ficando cada um com a sua. No dia seguinte Montenegro embarcava em Santos e seguia para o Sul, enquanto Veloso, arrebatado pelo trem de ferro, se aproximava da Corte. II Montenegro ficou apenas três anos em Santa Catarina, que lhe pareceu um campo demasiado estreito para as suas aspirações: foi também para a Corte, onde o Conselheiro Brito, velho e conhecido advogado, amigo da família dele, paternalmente se ofereceu para encaminhá-lo, oferecendo-lhe um lugar no seu escritório. Chegado ao Rio de Janeiro, o catarinense desde logo procurou o seu companheiro de estudos, e não encontrou da parte deste o afetuoso acolhimento que esperava. Veloso estava outro: em três anos transformara-se completamente. Montenegro veio achá-lo satisfeito e feliz, com muitas relações no comércio, encarregado de causas importantes, morando numa bela casa, freqüentando a alta sociedade, gastando à larga. O catarinense, que tinha uma alma grande, sinceramente estim ...

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Comentários:
Sara: Bom.
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