Livro: Cenário de Ilusões Página 2

... has de aveia. Sob o braço carregava o jornal. Podia contar nos dedos as vezes em que se dera ao luxo de tomar o café da manhã ali. Considerava isso uma perda irreparável de tempo, quase pecaminosa, pois não passava de uma vítima da ética trabalhista puritana. Chegava a caçoar de si própria por empregar grande parte do tempo com o trabalho, mas, além de algumas palavras ocasionais de censura por parte de amigas, ninguém jamais se queixava de sua disponibilidade exígua para outras atividades. Muito pelo contrário, nos últimos cinco anos, produtores e diretores para quem havia escrito textos de filmes e milhões de espectadores que tinham provocado um estouro de bilheteria com a trilogia Nestar pareciam bem satisfeitos com a sua faina trabalhista.Isso sem contar com o seu agente, os contadores e os advogados que ganhavam rios de dinheiro a seu serviço. O trabalho constituía uma panacéia para Mallory,enquanto se dedicava a ele, não pensava em outras coisas. Ria quando lhe sugeriam que parasse um pouco. Não podia pôr em segundo plano o que mais valorizava na vida. Nesse dia porem, estava resolvida a ser indulgente consigo mesma e por isso achava-se ali ao lado da piscina. O último texto que havia escrito estava nas mãos do agente e embora completamente diferente da trilogia que a fizera famosa, sabia ser o melhor fruto de sua criatividade. A fase de euforia por ter terminado o trabalho já havia passado. Depois veio a de incerteza e depressão, quando foi preciso um grande esforço para não telefonar a Jake, o agente, para que lhe devolvesse o texto qualificando-o de fraco e ruim. Encontrava-se agora no período conformista, quando euforia e depressão se alternavam continuamente. Assim, passaria a manhã com o guarda-sol aberto sobre a mesinha, queimando-se um pouco através do quimono de seda enquanto folheava o jornal. Não deixaria que as notícias de guerras, assassinatos, altas e baixas da bolsa de valores afetassem o seu bom humor. Mallo ...

y sorriu satisfeita. Podia ouvir, e achava estimulante, o ruído contínuo de uma rodovia que passava a certa distância de sua casa. Acomodou-se melhor na cadeira de vinil e sorveu um gole de café. Estava delicioso. Passaria o dia todo ali, resolveu de súbito. Mais tarde começaria a trabalhar no esboço de um novo romance, ou então, iria fazer compras. Outra boa idéia seria iniciar a dieta planejada para perder uns quilinhos, coisa que só deveria ser enfrentada por quem estivesse em bom estado de espírito. Foi nesse momento que o telefone tocou. Num gesto preguiçoso, estendeu o braço para atendê-lo. Uma das características mais estranhas dos californianos do sul que Mallory tentava decifrar era a de gastarem um dinheirão para levar a vida particular nos pátios de suas residências, cujo acesso era dificílimo, contanto que existisse, ao alcance da mão, um aparelho telefônico. Era como se este fosse o cordão umbilical que os ligava à corrida desenfreada em que empregavam o resto do tempo. — Olá, beleza, tem tempo para almoçar comigo hoje? O sotaque arrastado de texano era de Jake, no mesmo instante, fez com que Mallory se afligisse. O sol já não brilhava com tanta intensidade, e o azul do céu parecia desbotado. As laranjeiras davam a impressão de estarem meio murchas e as peônias menos cintilantes. — Por quê? O que há de errado, Jake? Você nunca me telefona a não ser que tenha algum problema. Já sei, - declarou conformada e esperando pelo pior, - ninguém quis comprar o meu texto. Está péssimo, não é? Também não precisa se dar ao trabalho de se encontrar comigo para dar a notícia. Fale já, homem de Deus! — exclamou impaciente. O riso baixo e prolongado do agente se fez ouvir, e Mallory podia imaginá-lo recostado na confortável poltrona de couro enquanto empurrava para trás o inseparável stetson, o famoso chapéu de vaqueiro texano. Sabia que os olhos dele brilhavam, o que a irritava e a deprimia, embora tentasse r ...

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