Livro: Além do Oceano - Jo Ann Ferguson Página 2

... costume. O trabalho exaustivo no mar e a emoção de lutar contra as tempestades que açoitavam as velas sempre haviam sido compensados quando o barco atracava nas docas, mas, naquela noite em particular, algo o incomodava. Já sentira o mesmo incômodo antes, como se uma estranha premonição deixasse todos os seus sentidos em alerta. Alguma coisa estava prestes a acontecer. Mas, o quê? As lanternas coloridas e o burburinho dos bares e bordéis enchiam a noite. Porém, o cenário não combinava com a inquietante sensação que o afligia. Hog Lane, a rua barulhenta e desagradável próxima às docas, era uma afronta aos chineses, pensou. Não era para menos que os orientais se refugiavam por trás dos muros da cidade. Também tentavam evitar os Yang Kuei-tzu, como eles chamavam os americanos. — Aqui? — Bryce olhou para o capitão Catherwood parado em frente a uma taverna. Davis Catherwood era loiro, fato que impressionava os chineses quase tanto quanto os seus próprios olhos verdes. — Por que não? Ele sorriu ao se lembrar do dia em que pisara pela primeira vez no Cantão. Os chineses tinham ficado horrorizados, e ele só havia entendido o motivo quando um barman finalmente lhe explicara que, por ali, apenas os demônios do inferno Budista possuíam olhos verdes. Sentado em uma cadeira velha, quase quebrada, observou o garçom cumprimentando cada cliente. — É difícil acreditar que este lugar estará vazio na semana que vem. — Por mim, já estou satisfeito por ter entregado o carregamento de chá de Whampoa. Será difícil encontrar outro trabalho até o fim do ano. Davis encarou o homem que lhes servia bebida e apertou-lhe o punho. — Acho bom que esteja servindo seu melhor rum. — Ótimo rum! O melhor que já tomou! Pegando o copo, Bryce mudou de assunto: — Tem de convencer seu pai a realizar algumas mudanças, capitão. — Como? O Cantão é a única cidade aberta a nós. — Precisamos mudar de carga. Os chineses estão ansioso ...

para negociar com os navios britânicos da Companhia das Índias Orientais. — A Shadow Line não vai negociar ópio. — Se continuarmos a ganhar tão pouco com a venda de peles e ginseng, seu pai vai ficar furioso. Na Russell & Company de Connecticut estão ganhando muito dinheiro com ópio. — O ópio não é pior do que o rum. Meu pai insiste que a Shadow Line só transporte cargas legais. — Legais? Hoje em dia, a linha que separa o que é legal do que não é, é muito tênue. — Você pensará diferente quando for capitão de seu próprio navio. Bryce sorriu ao se lembrar de que ficaria com o Pacific Shadow. O segundo navio da Shadow Line não era tão esplêndido como o China, mas seria um bom trabalho de qualquer maneira. Percebeu uma comoção e ficou impressionado ao ver uma moça amparando uma mulher chinesa um pouco mais velha. A seda fina do ch\'eung shaam que usava demarcava o corpo esbelto. Longas mechas de cabelos negros caíam-lhe sobre as costas e balançavam conforme ela andava. Na verdade, ela mais parecia flutuar, tamanha a leveza e a graça que possuía. Quando passaram, ele as apontou. — Parece um pouco tarde para a mãe iniciar a filha na vida. Olhe só a garota — zombou, quando a moça tentou se esquivar do toque de um marinheiro. — Está envergonhada como só uma virgem estaria. — Surpreende-me que você ainda se recorde do que é essa sensação. — Tem razão. Parece que já se passaram anos desde que fui tão inocente. A menina continuou lhe chamando a atenção, embora ele não soubesse bem a razão. Com sua túnica simplória, ela se parecia com as outras concubinas de Hog Lane. Bryce deixou o olhar seguir as curvas acentuadas pela túnica justa. Maldição! Não podia ficar pensando naquelas coisas agora. — Vamos parar em Macao? Davis começou a explicar o itinerário, e ele tentou se concentrar na rota. Aquilo o distrairia da curiosidade em saber se a jovem concubina tinha o rosto tão bonito quanto o ...

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