Livro: Vênus Divina Vênus Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
não se mereçam; não a conheço. Mas, Ricardo, você não pode tomar estado. Ela é
filha de doutor, não há de querer lavar nem engomar.
Ricardo teve moralmente náuseas. Aquela idéia reles de lavar e engomar era própria
de uma alma baixa, ainda que excelente. Venceu o asco, e olhou para a mãe com um
gesto igualmente amigo e superior. No almoço, disse-lhe que Marcela era a mais famosa
moça do bairro.
— Mamãe acredita que os anjos venham à terra? Marcela é um anjo.
— Acredito, meu filho, mas os anjos comem, quando estão neste mundo e se casam.
Ricardo, se você anda com tanta vontade de casar, por que não aceita Felismina, sua
prima, que gosta tanto de você?
— Ora, mamãe! Felismina!
— Não é rica, é pobre.
— Quem lhe fala em dinheiro? Mas, Felismina! basta-lhe o nome; é difícil achar outro
tão ridículo. Felismina!
— Não foi ela que escolheu o nome, foi o pai, quando ela se batizou.
— Pois sim, mas não se segue que seja bonito. E depois, eu não gosto dela, é prosaica,
tem o nariz comprido e os ombros estreitos, sem graça; os olhos parecem mortos, olhos
de peixe podre, e fala arrastado. Parece da roça.
— Também eu sou da roça, meu filho, replicou a mãe com brandura.
Ricardo almoçou, passou o dia agitado, felizmente lendo versos, que foram o seu
calmante. Tinha um volume de Casimiro de Abreu, outro de Soares de Passos, um de
Lamartine, não contando os seus próprios manuscritos. De noite, foi à casa de Marcela. Ia
resoluto. Não eram os primeiros versos que escrevia à moça, mas não lhe entregara
nenhuns — por acanhamento. De fato, esse namoro que Maria dos Anjos receava
acabasse em casamento, não passava ainda de alguns olhares e durava já umas seis
semanas. Foi o irmão de Marcela que apresentou ali o nosso poeta, com quem se
encontrava, às tardes, em um armarinho do bairro. Disse que era um moço de muita
habilidade. Marcela, que era bonita, não deixava passar olhos sem fazer-lhes a
...
guma
pergunta a tal respeito, e como as respostas eram todas afirmativas, fingia não entendêlas
e continuava o interrogatório. Ricardo respondeu pronto e entusiasmado; tanto bastou
para continuarem uma variação infinita sobre o mesmo tema. Entretanto, não havia
nenhuma palavra de boca, trocada entre eles, cousa que parecesse com declaração. Os
próprios dedos de Ricardo eram frouxos, quando recebiam os dela, que eram
frouxíssimos.
"Hoje dou o golpe", ia ele pensando.
Havia gente em casa do Dr. Viana, pai da moça. Tocava-se piano; Marcela perguntoulhe
logo com os olhos do costume:
— Que tal me acha?
— Linda, angélica, respondeu Ricardo pelo mesmo idioma.
Apalpou a algibeira do fraque; lá estava a poesia metida em sobrecarta cor-de-rosa,
com uma pombinha cor de ouro, em um dos cantos.
— Hoje temos solo, disse-lhe o filho do Dr. Viana. Aqui está este senhor, que é
excelente parceiro.
Ricardo quis recusar; não pôde, não podia. E lá foi jogar o solo, a tentos, em um
gabinete, ao pé da sala de visitas. Cerca de hora e meia não arredou pé; afinal confessou
que estava cansado, precisava andar um pouco, voltaria depois.
Correu à sala. Marcela tocava piano, um moço de bigodes compridos, ao pé dela, ia
cantar não sei que ária de ópera italiana. Era tenor, cantou, romperam grandes palmas.
Ricardo, ao canto de uma janela, fez-lhe o favor de umas palminhas, e esperou os olhos
da pianista. Os dele meditavam já esta frase: "Sois o mais belo, o mais puro, o mais
adorável dos arcanjos, ó soberana do meu coração e da minha vida". Marcela, entretanto,
foi sentar-se entre duas amigas, e de lá perguntou-lhe:
— Pareço-lhe bonita?
— Sois o mais belo, o mais.
Não pôde acabar. Marcela falou às amigas, e encaminhou os olhos para o tenor, com a
mesma pergunta:
— Pareço-lhe bonita?
Ele, pela mesma língua, respondeu que sim, mas com tal clareza e autoridade, como
se fora o próprio inventor do idioma. E não esper ...
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