Livro: Crônicas de Londres
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Autor - Fonte: Eça de Queirós
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...
Londres, 14 de Abril de 1877
Estamos, parece, nas vésperas da guerra.
A Turquia deu ao ultimato da Rússia uma verdadeira resposta turca – verbosa, altiva, teimosa,
cheia do espírito de fatalismo muçulmano: recusa tudo: fazer concessões ao Montenegro,
desarmar, mandar embaixadores a Sampetersburgo, aceitar as intervenções alheias, renovar
quaisquer garantias, quase discutir: desprende-se assim violentamente das combinações
diplomáticas, carrega a espingarda e espera. Era fácil prever esta reacção do orgulho turco.
Há um ano que a Sublime Porta vive num estado de humilhação permanente. A Europa tem-na
tratado como um seu subalterno dependente e inconsciente: impõe-lhe constituições, governa
as suas finanças, discute a sua administração, usa da sua capital como de uma sala de hotel
para instalar conferências, manda comissões impertinentes investigar os seus massacres
domésticos, dá razão às províncias que se insurreccionam, força-a a constantes renovações
do funcionalismo, censura as suas despesas, decide nos seus tribunais, obriga-a a nomear um
parlamento, repreende-a, diz-lhe «chut!», desacredita-a, ralha-lhe, ameaça-a, não admite que
ela tenha um espírito de raça, uma tradição histórica, uma necessidade religiosa e trata-a
absolutamente como se ela fosse uma povoação de negros perdida no Sul da África.
Esta situação não podia durar. O Turco é inteligente, orgulhoso, bravo, teimoso, fanático; um
dia viria em que, enfastiado de ver em roda de si tantos pedagogos a querer dirigi-lo e tantos
ferrabrases a franzirem-lhe a testa – devia necessariamente dar dois passos a trás e meter a
espingarda à cara.
Foi o que sucedeu.
Aceitando tacitamente a guerra, a Sublime Porta foi hábil. Qualquer nova concessão que
fizesse seria inútil: a Rússia sempre quis a guerra; através das declarações adocicadas de paz,
da proposta de conferências, das esperanças nas soluções diplomáticas a Rússia ia
...
enta e
seguramente preparando a guerra. A Turquia não a podia evitar; e indo, decisivamente, ao
encontro dela mostra ao menos um sentimento de dignidade e de força.
Além disso impelia-a a grande corrente do sentimento nacional; a cólera pública, excitada
pelos ulemás, pelo partido da Velha, Turquia. é tão forte que concessões demasiadas ou a
demonstração evidente de uma submissão à Europa faria correr um grande risco à dinastia
dos Osmanlis.
O actual grão-vizir tinha de mais a mais um interesse de ambição pessoal em se mostrar
resistente e enérgico: é que, tendo substituído Midhat Paxá exilado tinha de mostrar as fortes
qualidades que o sentimento geral atribui a Midhat: Midhat tem um grande partido, não só em
Constantinopla mas em todo o império; ele é considerado como homem capaz de fazer face à
Europa, de manter a dignidade da raça turca e de saber morrer com honra: ora o actual grãovizir
quer provar, para se manter, que não é um patriota inferior a Midhat: ninguém, na
diplomacia, duvida que esta razão de política pessoal influiu poderosamente para a altiva
resposta da Turquia ao ultimato da Rússia. Acresce a estas uma outra razão: é que a Turquia
não pode licenciar o seu exército e que para o fazer viver tem de o fazer combater. Os Turcos
têm quase duzentos mil homens mobilizados, reunidos na fronteira, com grandes esforços e
sacrifícios nos dois últimos anos. Que se faria a este exército desmobilizando-o? Num país em
que não há caminhos de ferro, quase não há estradas, estes homens, pertencendo às
províncias mais afastadas do império, como poderiam voltar às suas casas? O Estado não tem
dinheiro para os transportar. Com que recursos pessoais empreenderão eles a viagem? Nesta
época do ano, os trabalhos do campo estão feitos; o Estado não tem trabalho que lhes dar, em
que se ocupariam eles? A maior parte, em dois anos de acampamento, têm perdido o hábito
do trabalho agrícola; o in ...
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