Livro: O seminarista
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Autor - Fonte: Bernardo Guimarães
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Bernardo Guimarães
CAPÍTULO I
A uma légua, pouco mais ou menos, da antiga vila de Tamanduá, na
província de Minas Gerais, e a pouca distância da estrada que vai para a vizinha vila
da Formiga, via-se, há de haver quarenta anos, uma pequena e pobre casa, mas
alva, risonha e nova. Uma porta e duas janelinhas formavam toda a sua frente.
Um estreito caminho, partindo da porta da casa, cortava o vargedo e ia
atravessar o capão e o córrego, por uma pontezinha de madeira, fechada do outro
lado por uma tronqueira de varas. Junto à ponte, de um lado e outro do caminho,
viam-se duas corpulentas paineiras, cujos galhos, entrelaçando-se no ar, formavam
uma arcada de verdura, à entrada do campo onde pastava o gado.
Era uma bela tarde de janeiro. Dois meninos brincavam à sombra das
paineiras: um rapazinho de doze a treze anos e uma menina, que parecia ser pouco
mais nova do que ele.
A menina era morena; de olhos grandes, negros e cheios de vivacidade, de
corpo esbelto e flexível como o pendão da embaúba.
O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua
fisionomia como em todo o seu ser transluziam indícios de uma índole pacata, doce
e branda.
A menina, sentada sobre a relva, despencava um molho de flores silvestres
de que estava fabricando um ramalhete, enquanto seu companheiro, atracando-se
como um macaco aos galhos das paineiras, balouçava-se no ar, fazia mil passes e
piruetas para diverti-la.
Perto deles, espalhados no vargedo, umas três ou quatro vacas e mais
algumas reses estavam tosando tranqüilamente o fresco e viçoso capim.
O sol, que já não se via no céu, tocava com uma luz de ouro os topes
abaulados dos altos espigões; uma aragem quase imperceptível mal rumorejava
pelas abas do capão e esvoaçava por aquelas baixadas cheias de sombra.
— Vamos, Eugênio. São horas. vamos apartar os bezerros e tocar as
vacas para a outra banda.
Dizendo isto, a menina levanta-se da relva, e, atirando par
...
trás dos ombros
os negros e compridos cabelos, sacudiu do regaço uma nuvem de flores
despencadas.
— Pois vamos lá com isso, Margarida, exclamou Eugênio, vindo ao chão de
um salto, e ambos foram ajuntar as poucas vacas que ali andavam pastando.
— Arre! com mil diabos!. que bezerrada mofina! — exclamou o rapaz
tangendo os bezerros. — Por que é que estes bezerros da tia Umbelina andam
sempre assim tão magros?
Ora! pois, que é que você quer? mamãe tira quase todo o leite das vacas, e
deixa um pinguinho só para os pobres bezerros. Por isso mesmo quase nenhuma
cria pode vingar, e algum que escapa mamãe vende logo.
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— E por que é que ela não te dá uma bezerrinha? aquela vermelhinha
estava bem bonita para você.
— Qual!. não vê que ela me dá!. e eu que tenho tanta vontade de ter a
minha vaquinha. Há que tempo Dindinha prometeu de me dar uma bezerra e até
hoje estou esperando.
— Mamãe?. ora!. é porque ela se esqueceu. deixa estar, que eu hei de
falar com ela. mas não, eu mesmo é que hei de te dar uma novilha pintada muito
bonitinha que eu tenho. Assim como assim, eu tenho de me ir embora mesmo, que
quero eu fazer com a criação?
— Como é isso?. — exclamou Margarida com surpresa. — Pois você vaise
embora?.
— Vou, Margarida; pois você ainda não sabia?.
— Eu não; quem me havia de contar? para onde é que você vai, então?
— Vou para o estudo, Margarida; papai mais mamãe querem que eu vá
estudar para padre.
— Deveras, Eugênio!. ah! meu Deus!. que idéia!. e é muito longe esse
estudo?
— Eu sei lá; eles estão falando que eu vou para Congonhas.
— Congonhas?. ah! já ouvi falar nessa terra; não é onde moram os padres
santos?. ah! meu Deus! isso é muito longe!
— Qual longe!. tanta gente já tem ido lá e vem outra vez. Mamãe já
mandou fazer batina, sobrepeliz, barrete e tudo. Quando tudo ficar pronto, eu hei de
vir cá vestido de padre para você ver que ...
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