Livro: A Senhora do Galvão Página 3
Autor - Fonte: Machado de Assis
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que a viúva trajava podia realçar a magnificência da amiga. As feições, porém, não eram o
que esta afirmou, quando ensaiava os xales de manhã. Não, senhor; eram engraçadas, e
tinham um certo pico original. Os ombros proporcionais e bonitos. Não contava trinta e
cinco anos, mas trinta e um; nasceu em 1822, na véspera da independência, tanto que o pai,
por brincadeira, entrou a chamá-la Ipiranga, e ficou-lhe esta alcunha entre as amigas.
Demais, lá estava em Santa Rita o assentamento de batismo.
Uma semana depois, recebeu Maria Olímpia outra carta anônima. Era mais longa e
explícita. Vieram outras, uma por semana, durante três meses. Maria Olímpia leu as
primeiras com algum aborrecimento; as seguintes foram calejando a sensibilidade. Não
havia dúvida que o marido demorava-se fora, muitas vezes, ao contrário do que fazia
dantes, ou saía à noite e regressava tarde; mas, segundo dizia, gastava o tempo no
Wallerstein ou no Bernardo, em palestras políticas. E isto era verdade, uma verdade de
cinco a dez minutos, o tempo necessário para recolher alguma anedota ou novidade, que
pudesse repetir em casa, à laia de documento. Dali seguia para o largo de São Francisco, e
metia-se no ônibus.
Tudo era verdade. E, contudo, ela continuava a não crer nas cartas. Ultimamente,
não se dava mais ao trabalho de as refutar consigo; lia-as uma só vez, e rasgava-as. Com o
tempo foram surgindo alguns indícios menos vagos, pouco a pouco, ao modo do
aparecimento da terra aos navegantes; mas este Colombo teimava em não crer na América.
Negava o que via; não podendo negá-lo, interpretava-o; depois recordava algum caso de
alucinação, uma anedota de aparências ilusórias, e nesse travesseiro cômodo e mole punha
a cabeça e dormia. Já então, prosperando-lhe o escritório, dava o Galvão partidas e jantares,
iam a bailes, teatros, corridas de cavalos. Maria Olímpia vivia alegre, radiante; começava a
ser um dos nomes da moda. E anda
a muita vez com a viúva, a despeito das cartas, a tal
ponto que uma destas lhe dizia: "Parece que é melhor não escrever mais, uma vez que a
senhora se regala numa comborçaria de mau gosto." Que era comborçaria? Maria Olímpia
quis perguntá-lo ao marido, mas esqueceu o termo, e não pensou mais nisso.
Entretanto, constou ao marido que a mulher recebia cartas pelo correio. Cartas de
quem? Esta notícia foi um golpe duro e inesperado. Galvão examinou de memória as
pessoas que lhe freqüentavam a casa, as que podiam encontrá-la em teatros ou bailes, e
achou muitas figuras verossímeis. Em verdade, não lhe faltavam adoradores.
— Cartas de quem? repetia ele mordendo o beiço e franzindo a testa.
Durante sete dias passou uma vida inquieta e aborrecida, espiando a mulher e
gastando em casa grande parte do tempo. No oitavo dia, veio uma carta.
— Para mim? disse ele vivamente.
— Não; é para mim, respondeu Maria Olímpia, lendo o sobrescrito; parece letra de
Mariana ou de Lulu Fontoura.
Não queria lê-la; mas o marido disse que a lesse; podia ser alguma notícia grave.
Maria Olímpia leu a carta e dobrou-a, sorrindo; ia guardá-la, quando o marido desejou ver o
que era.
— Você sorriu, disse ele gracejando; há de ser algum epigrama comigo.
— Qual! é um negócio de moldes.
— Mas deixa ver.
— Para quê, Eduardo?
— Que tem? Você, que não quer mostrar, por algum motivo há de ser. Dê cá.
Já não sorria; tinha a voz trêmula. Ela ainda recusou a carta, uma, duas, três vezes.
Teve mesmo idéia de rasgá-la, mas era pior, e não conseguiria fazê-lo até o fim. Realmente,
era uma situação original. Quando ela viu que não tinha remédio, determinou ceder. Que
melhor ocasião para ler no rosto dele a expressão da verdade? A carta era das mais
explícitas; falava da viúva em termos crus. Maria Olímpia entregou-lha.
— Não queria mostrar esta, disse-lhe ela primeiro, como não mostrei outras que
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