Livro: A Senhora do Galvão Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
viu a Ida Edelvira,
dançou à larga, e ganhou fama de elegante.
Eram cinco horas e meia, quando o Galvão chegou. Maria Olímpia, que então
passeava na sala, tão depressa lhe ouviu os pés, fez o que faria qualquer outra senhora na
mesma situação: pegou de um jornal de modas, e sentou-se, lendo, com um grande ar de
pouco caso. Galvão entrou ofegante, risonho, cheio de carinhos, perguntando-lhe se estava
zangada, e jurando que tinha um motivo para a demora, um motivo que ela havia de
agradecer, se soubesse.
— Não é preciso, interrompeu ela friamente.
Levantou-se; foram jantar. Falaram pouco; ela menos que ele, mas em todo o caso,
sem parecer magoada. Pode ser que entrasse a duvidar da carta anônima; pode ser também
que os dois xales lhe pesassem na consciência. No fim do jantar, Galvão explicou a
demora; tinha ido, a pé, ao teatro Provisório, comprar um camarote para essa noite: davam
os Lombardos. De lá, na volta, foi encomendar um carro.
— Os Lombardos? interrompeu Maria Olímpia.
— Sim; canta o Laboceta, canta a Jacobson; há bailado. Você nunca ouviu os
Lombardos?
— Nunca.
— E aí está por que me demorei. Que é que você merecia agora? Merecia que eu lhe
cortasse a ponta desse narizinho arrebitado.
Como ele acompanhasse o dito com um gesto, ela recuou a cabeça; depois acabou
de tomar o café. Tenhamos pena da alma desta moça. Os primeiros acordes dos Lombardos
ecoavam nela, enquanto a carta anônima lhe trazia uma nota lúgubre, espécie de Requiem.
E por que é que a carta não seria uma calúnia? Naturalmente não era outra coisa: alguma
invenção de inimigas, ou para afligi-la, ou para fazê-los brigar. Era isto mesmo. Entretanto,
uma vez que estava avisada, não os perderia de vista. Aqui acudiu-lhe uma idéia: consultou
o marido se mandaria convidar a viúva.
— Não, respondeu ele; o carro só tem dois lugares, e eu não hei de ir na boléia.
Maria Olímpia sorriu de contente, e levantou-se. Há mu
...
to tempo que tinha vontade
de ouvir os Lombardos. Vamos aos Lombardos! Trá, lá, lá, lá. Meia hora depois foi vestirse.
Galvão, quando a viu pronta daí a pouco, ficou encantado. Minha mulher é linda,
pensou ele; e fez um gesto para estreitá-la ao peito; mas a mulher recuou, pedindo-lhe que
não a amarrotasse. E, como ele, por umas veleidades de camareiro, pretendeu concertar-lhe
a pluma do cabelo, ela disse-lhe enfastiada:
— Deixa, Eduardo! Já veio o carro?
Entraram no carro e seguiram para o teatro. Quem é que estava no camarote
contíguo ao deles? Justamente a viúva e a mãe. Esta coincidência, filha do acaso, podia
fazer crer algum ajuste prévio. Maria Olímpia chegou a suspeitá-lo; mas a sensação da
entrada não lhe deu tempo de examinar a suspeita. Toda a sala voltara-se para vê-la, e ela
bebeu, a tragos demorados, o leite da admiração pública. Demais, o marido teve a
inspiração, maquiavélica, de lhe dizer ao ouvido: "Antes a mandasses convidar; ficava-nos
devendo o favor." Qualquer suspeita cairia diante desta palavra. Contudo, ela cuidou de os
não perder de vista — e renovou a resolução de cinco em cinco minutos, durante meia hora,
até que, não podendo fixar a atenção, deixou-a andar. Lá vai ela, inquieta, vai direito ao
clarão das luzes, ao esplendor dos vestuários, um pouco à ópera, como pedindo a todas as
coisas alguma sensação deleitosa em que se espreguice uma alma fria e pessoal. E volta
depois à própria dona, ao seu leque, às suas luvas, aos adornos do vestido, realmente
magníficos. Nos intervalos, conversando com a viúva, Maria Olímpia tinha a voz e os
gestos do costume, sem cálculo, sem esforço, sem ressentimento, esquecida da carta.
Justamente nos intervalos é que o marido, com uma discrição rara entre os filhos dos
homens, ia para os corredores ou para o saguão pedir notícias do ministério.
Juntas saíram do camarote, no fim, e atravessaram os corredores. A modéstia com ...
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