Livro: A Palavra Final é do Coração Página 2

... negros e um pouco repuxados, os cabelos negros e compridos, agora presos num coque no alto da cabeça, o nariz reto e um pouco grande, a boca de lábios cheios e naturalmente vermelhos. — O amor também cede, Beatriz. Condescender, transigir. são verbos que precisam ser conjugados todos os dias num casamento. — Eu estou condescendendo. transigindo. — Só você — e, como se arrependesse da afirmação, Conceição apertou os lábios. — Esqueça. Já está quase feito. Falta pouco — consultou o relógio de ouro preso no pulso esquerdo — quase quatro e meia. Um pouco mais e você vai ter que sair, se quer mesmo chegar às seis em ponto na igreja. — Uma pena que não possa ir de moto! — suspirou Beatriz, um pouco travessa, para a mãe. — Também isso — ouviu Conceição dizer baixinho. Sem querer, lembrou do último sacrifício, como tinha dito a mãe. A moto tinha sido vendida no dia anterior. Leandro precisava do dinheiro para uma parcela do apartamento que iam ocupar e que ele estava comprando com certo sacrifício. Conceição ergueu os braços, mantendo a grinalda acima da cabeça da filha. — Agora, fique quieta! — recomendou, enquanto encaixava o arranjo nos seus cabelos negros. — Quero que tudo saia perfeito, até mesmo isso. Lentamente, a mulher foi acertando a grinalda, permitindo que o véu escorregasse pela seda pura e alcançasse o chão, ajudado pelas mãos pequenas e bem manicuradas de Beatriz. — Vire-se e aprecie-se no espelho — pediu Conceição, ajeitando aqui e ali, enquanto Beatriz obedecia, parecendo encantada com a imagem que o espelho estava lhe devolvendo. — Eu me sinto tão diferente. — confessou. — Todas as noivas se sentem dessa maneira — sorriu a mãe, aquela sombra teimosa de pesar aparecendo no fundo dos olhos escuros. — Um dia, eu me senti assim. Um pouco mais sonhadora, sem dúvida. — Por que mais sonhadora? — Eu amava seu pai. Não tinha dúvida sobre o que queria e nem sobre o ...

ue ele queria. — Do jeito que está falando, parece que eu não amo Leandro. — Acho que você o idolatra. O amor é um sentimento muito complexo para se sentir simplesmente. Mas, por incrível que pareça, é exatamente assim que funciona. Por amor, a gente abre mão de tudo, ou quase tudo, e parece feliz com isso. Por amor é fácil abdicar do que antes se considerava indispensável. O único cuidado necessário é saber se é mesmo amor, não um sentimento de entusiasmo que logo se acaba. — Não quer dizer que eu me sinta exatamente assim. — Eu não sei —: sussurrou Conceição, desviando o olhar preocupado da figura de Beatriz. — Não sei, realmente. Mesmo amando seu pai, muitas vezes, eu o fiz ceder. Jamais deixei que me dominasse completamente, como você faz com Leandro. — Não é bem assim! — Não? — Conceição tornou a fazer com que os olhos das duas se encontrassem. — Pode me mostrar uma única vez em que foi ele que cedeu? Beatriz ficou calada por alguns minutos. Lentamente, rebuscou na memória sem encontrar o que procurava. Nada lhe ocorreu sobre a prova que a mãe queria. De certa forma, sentiu certo desgosto ao comprovar que Conceição estava certa. Era sempre ela a ceder, a concordar com Leandro nos desejos dele. Até mesmo, a escolha de onde morar, a compra do apartamento, tudo, a decisão tinha sido sempre dele. — Não adianta pensar agora — a voz de Conceição soou um pouco mais clara, um sorriso um pouco forçado nos lábios. — Devia pensar antes. Mas, se o ama mesmo, vai continuar aceitando, sem se cansar, sem se amargurar. — É disso que tem medo? — Um casamento não é hoje, o dia em que você se veste de noiva, com os olhos cheios de ilusão e vai para o altar dizer sim, prometer amar e respeitar um homem para o resto da sua vida. Um casamento é o dia-a-dia, a rotina, o dinheiro contado até o final do mês, as crianças gritando e exigindo atenção todos os dias, todas as horas. Hoje é apenas o i ...

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