Livro: O que são as moças Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
— Que singularidade!
Depois, escreveu as seguintes linhas em resposta a Teresa:
Vem, minha querida. Se não viesses ia eu! Há muito que não te vejo e quero ouvir-te e
falar-te. Com que ouvidos te hei de ouvir, e com que palavras te hei de falar. Nem cinco
horas. O melhor é vires dormir cá. — Tua Júlia.
O leitor compreende facilmente que as coisas muito importantes de que falava Teresa não
seriam decerto nem a alça de fundos, nem a mudança de ministério, nem mesmo a
criação de bancos. Aos vinte anos só há um banco: o coração; só há um ministério: o
amor. As firmezas e as infidelidades são a alça e a baixa de fundos.
Daqui concebe o leitor, que é perspicaz, o seguinte: — o negócio importante de Teresa é
algum amor.
E dizendo isto o leitor prepara-se para ver despontar no horizonte daquele coração virgem
a primeira alva de um sentimento puro e ardente. Não serei eu que lhe impeça o prazer,
mas só lho consentirei nos posteriores capítulos; neste não. Dir-lhe-ei somente, para
melhor orientá-lo, que a visita prometida por Teresa não teve lugar por causa de visitas
inesperadas que foram à casa dela. A moça arrepelou-se, mas não era possível vencer
aquele obstáculo. Vingou-se porém; não deu palavra durante a noite e deitou-se mais
cedo que de costume.
II
Dois dias depois Teresa recebia de Júlia a seguinte carta:
Minha querida Teresa. — Quiseste contar-me não sei que acontecimento; dizes-me que
preparas uma carta para isso. Enquanto espero a tua carta, escrevo-te eu uma para darte
parte de um acontecimento meu.
Até nisto parecemos irmãs.
Ah! se morássemos juntas seria a suprema felicidade; nós que juntas vivemos tão iguais.
Sabes que até hoje estou como a livre borboleta dos campos; ninguém tem feito bater o
meu coração. Pois bem, chegou a minha vez.
Aí vais rir, minha cruelzinha, destas confidências; tu que não amas, vais zombar de mim
que me alistei nas bandeiras do amor.
Amo, sim,
...
não poderia deixar de fazê-lo, tão bela, tão interessante é a pessoa em
questão.
Quem é? perguntarás tu. Será o Oliveira? O Tavares? O Luís Bento? Nenhum desses,
descansa. Nem lhe sei o nome. Não é conhecido nosso. Vi-o apenas duas vezes, a
primeira há oito dias, a segunda ontem. Verdadeiramente o amor descobriu-se ontem.
Que belo rapaz. Se o visses ficavas a morrer por ele. Quisera fazer-te a pintura, mas não
sei. É um belo rapaz, de olhos pretos, moreno, cabelos abundantes e da cor dos olhos;
um par de bigodes grossos e pretos.
Tem passado aqui por nossa rua, às tardes, entre as cinco e seis horas. Passa sempre a
cavalo. Olha, Teresa, até o cavalo me parece adorável; cuido às vezes que está
ensinado, porque ao passar em frente às nossas janelas, começa a saltar, como que me
cumprimenta e agradece a simpatia que o dono me inspira.
Que tolices estou eu dizendo! Mas desculpa, minha Teresa, isto é amor. No amor sentese
muita coisa que não se sente de ordinário. Agora sei.
Vais perguntar-me se ele gosta de mim, se repara em mim? Repara posso afirmar-te; mas
se gosta não sei. Porém é acaso possível que se repa re muito em alguém sem gostar? A
mim parece que não. Talvez seja ilusão do meu coração e dos meus desejos.
Não sabes como isto me tem posto a cabeça tonta. Ontem mamãe reparou e me
perguntou que tinha eu; respondi que nada, mas de modo tal que ela sacudiu a cabeça e
disse baixinho: Ah! amores, talvez!
Estive para abraçá-la, mas recuei e entrei para o quarto. Tenho medo que se saiba disto;
entretanto, não creio que seja crime gostar de um moço bonito e bem educado, como ele
parece ser. Que dizes tu?
Preciso dos teus conselhos. Tu és franca e és minha amiga verdadeira. Tuas palavras me
servirão de muito. Se eu não tivesse uma amiga como tu, abafava com semelhante coisa.
Escreve-me, quero palavras tuas. Se quiseres o portador esperará; em todo o caso
desejo que me respondas hoje.
Adeus, Teres ...
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