Livro: Várias Histórias Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
é seu amigo, falava
sempre do senhor.
Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras.
Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido.
Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais
velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave
de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e
prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de
alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse
desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e
do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado
dela, era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di
femmina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos
livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela
mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos
teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as
mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente
e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio
coração, não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes,
ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça,
...
m que pela primeira vez passeaste com a mulher
amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam.
Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele,
envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou
atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta
e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos,
estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada
mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela
continuavam a ser as mesmas.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a
aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à
casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de
rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser
que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido,
para tornar menos dura a aleivosia do ato.
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a
verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o
rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas
ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de
algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este
pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e
pródigo ...
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Comentários:
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