Livro: Casamento de conveniência - Adriana Tavares de Sá Página 2

... i Fernando? — perguntou Isabel inesperadamente. — Vai bem — respondi. — Ele também vai a Tóquio. — Farão uma viagem maravilhosa. Estou morrendo de inveja — disse Isabel. — Você e Fernando já tomaram juízo? Já marcaram a data do casamento? Com uma pontada de culpa lembrei-me do nosso encontro na noite anterior. Fernando havia insistido, pela décima vez, em marcar a data do casamento. Como de hábito, eu tinha me esquivado. A noite tinha acabado em discussão, com Fernando irritado pela minha atitude. Eu própria não achava uma explicação para o meu comportamento. Namorava Fernando há mais de dois anos e estava convencida que o amava. Por que então minha hesitação em assumir um compromisso definitivo? Isabel pareceu ler minha mente. — O que há com você, Lígia? Fernando é um ótimo rapaz, é evidente que vocês dois se amam. Por que não se casam? — Não sei — retruquei, acendendo um cigarro. — Talvez porque tenha medo que o casamento interfira na minha carreira. Isabel fez um gesto exasperado. — Sua carreira, sempre sua carreira! Lígia, você precisa acordar! Você não é mais criança, tem vinte e cinco anos. Está na hora de começar a pensar em constituir uma família. — Sei disso tudo — respondi com um suspiro. — Mas acho que ainda não estou preparada. — Por quê? — insistiu Isabel. — Por que tem medo que os filhos interfiram na sua preciosa carreira? Seu tom me irritou. Não era a primeira vez que ouvia críticas à minha ambição profissional. Mesmo numa grande cidade como São Paulo, as mulheres que desejavam fazer carreira ainda eram vistas como habitantes de outro planeta. A sociedade parecia não conseguir aceitar que uma mulher tivesse um interesse sério por seu trabalho. — Minha carreira me é muito preciosa mesmo. Lutei por ela, me sacrifiquei, estudei e me esforcei para chegar onde estou agora. Não pretendo abrir mão do que consegui. — Lígia, você já se olhou no espelho? � ...

� continuou Isabel. — Você é hoje jovem, bonita, cheia de vida. Não condeno seu interesse pelo trabalho, até a admiro por isso. Estou apenas tentando alertá-la para o futuro. Dentro de vinte anos, poderá ter uma carreira e mais nada. — Seria tão ruim assim? — indaguei. — O que você faria quando voltasse do escritório? Ficaria sentada num apartamento vazio assistindo à televisão. Nos fins de semana, jogaria biriba com outras amigas solteironas. É essa a vida que você quer? O rumo da conversa começava a me incomodar e dispensei as palavras de Isabel com um sorriso. — A situação também não é tão grave assim. Afinal de contas, tenho apenas vinte e cinco anos. Não sou exatamente uma velha solteirona. — É claro que não — concordou Isabel. — Mas Fernando não vai esperar por você eternamente. — Quando voltarmos do Japão marcaremos a data do casamento — decidi. Na porta do restaurante, despedi-me afetuosamente de Isabel e voltei para o escritório. Cheguei em casa um pouco depois das sete, esgotada por uma série interminável de reuniões onde foram discutidos os primeiros preparativos para a viagem ao Japão. Ao entrar na pequena sala, fui invadida por uma enorme sensação de paz. Cada móvel, cada quadro, cada objeto do pequeno apartamento havia sido carinhosamente escolhido por mim. Um confortável quarto-e-sala era a prova concreta da minha capacidade de construir, de criar alguma coisa. Eu havia partido do nada e hoje, graças ao meu próprio esforço, vivia cercada de conforto e até de um certo luxo. Tirei os sapatos e fui para o quarto, gozando a delícia do tapete macio sob os meus pés descalços. Tomei uma ducha quente, sentindo a água lavar a poeira e o cansaço do dia. Enrolada num roupão fui para a cozinha preparar meu jantar, sempre o mais simples possível para não me dar trabalho. Hoje seria almôndegas com salada. As palavras de Isabel não me saíam da cabeça. Tentei fazer uma auto-análise, d ...

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