Livro: Anjo Negro Página 3

... tre seus dedos enregelados. — Ótimo! — exclamou, deitando-se de barriga para cima. — Como diria o velho Toft, "onde há sujeira de ovelhas, há ovelhas". E sorriu, mesmo sob o dilúvio que castigava seu rosto como se fossem milhares de agulhas geladas. Tentando se manter em pé no declive escorrega¬dio, Keelan olhou para o pequeno vale à sua frente. Apesar do escuro, avistou pequenos pontos cinzentos que marcavam o terreno aqui e ali: ovelhas, ou, como eram mais conhecidas para um escocês faminto, "jan¬tar sobre quatro patas". Depois de escorregar mais alguns centímetros, Keelan tateou o alforje que trazia preso à cintura. Abri-lo não era tarefa fácil, pois seus dedos estavam duros e entorpecidos pelo frio. Seus músculos estavam tensos e doloridos, mas sua visão noturna continuava aguçada. Mesmo assim, desarrolhar o frasco e mergulhar dentro dele um dardo foi extremamente penoso. Mais difícil ainda foi encaixar a arma no pequeno tubo de madeira, mas depois de muito esforço ele conseguiu. Menos de uma hora depois, o mundo já parecia um lugar bem mais agradável e brilhante. Literalmente, pois Keelan de Forbes se encontrava agachado diante de uma pequena fogueira. Havia até um abrigo acima de sua cabeça. Precário, porém eficaz, o telhado apoia¬va-se em três paredes que poderiam muito bem cair sobre ele se ele se movesse muito. No entanto, tinha sido a sorte que o levara àquele refúgio duvidoso, e ele sempre agradecia pelas pequenas dádivas. Seus ancestrais estavam completamente errados. Este era o seu caminho, apesar de todas as terríveis advertências. Quem eram eles para adverti-lo assim, se suas próprias vidas tinham sido marcadas pelo perigo? Hiltsglen, o Celta Negro, 0\'Banyon, o Cão Irlandês, e Toft, o Errante. Todos eles haviam tentado fazer de conta que não passavam de meros montanheses, mas Keelan soubera a verdade desde o momento em que os encontrara pela primeira vez. Vira neles um estranho mistério, assim como o v ...

a em si próprio. Mas enquanto os dons desses homens eram surpreen¬dentes — a coragem fria de Hiltsglen, a força sobre-humana de 0\'Banyon, e as habilidades inexplicáveis de Toft —, o dom de Keelan parecia ser bem mais hu-milde. Dormir, por exemplo, era seu melhor talento, juntamente com a astúcia. 0\'Banyon tinha vindo ao Norte à procura de um curandeiro, mas encontrara Keelan, um montanhês ardiloso e dorminhoco. Sim, claro, Keelan era descendente daqueles bra¬vos homens, mas de alguma forma não conseguira herdar seus talentos. Assim, naqueles dois anos des¬de o seu despertar, ele tinha aprendido a se arranjar sozinho e a viver sem os confortos que conhecera em sua vida anterior. E agora, após meses de laborioso planejamento, as circunstâncias estavam melhorando rapidamente. De olho no carneirinho deitado imóvel a seus pés, Keelan sorriu. A menos que estivesse redondamente enganado, iria comer muito bem naquela noite. — Olá — disse uma sombra gigante, entrando no abrigo. A luz da fogueira brilhou nos braços nus que pareciam enormes salsichas nos orifícios de uma túni¬ca sem mangas. — Meu Deus! — grunhiu Keelan, dando um pulo para trás e caindo contra a parede em ruínas atrás de si. — Na verdade. — respondeu a voz, e outro vulto saiu das sombras — .meu nome é Roland. E este ca¬valheiro aqui é Frankie. Roland era o oposto de seu acompanhante. Era ma¬gro, enquanto o outro era truculento, miúdo enquanto o outro era grandalhão. Seu rosto redondo tinha um ar angelical sob a luz do fogo, e seus cabelos dourados reluziam como se fossem um halo polido. Keelan olhou para Frankie, que tinha o tamanho aproximado de um cavalo e apertava as mãos enormes com uma lentidão impaciente. — Não sinto vergonha de dizer, rapazes, que vocês quase me mataram de susto — disse Keelan. Sempre optava por dizer a verdade, desde que fosse conveniente. Roland sorriu, mas apesar de sua aparência ange¬lical, a expressão em seu rosto ...

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