Livro: Além da sedução Página 3

... o tão aprazível? Ela, a duquesa do Monmouth, uma figura social? Tinha sua casa e seu enxoval e seus belos filhos. Nos últimos anos, seu marido se converteu, se não em um amante, ao menos em um amigo. Aqueles eram preciosos bens aos que não estava disposta a renunciar. As mãos retorcidas se converteram em punhos. De algum jeito devia conseguir que sua filha trocasse de opinião. Assim, todos poderiam seguir normalmente com suas vidas. Mas como consegui-lo, quando aquela muchachita insensata preferia a condição de solteirona a de noiva? Capítulo 1 Londres: 31 de dezembro, 1875 Nic Craven, artista célebre e libertino infame, estava fundo na poltrona de orelhas de couro como se não tivesse a intenção de levantar-se jamais. Levava a bata marrom de seda atada firmemente em torno de sua cintura magra e firme. Por debaixo, estava nu. Para dar-se um pouco de calor, tinha uma pequena taça de conhaque quase enche apoiada contra o peito. Atrás do ferro sobre o que descansava os pés embainhados em sapatilhas, ardia um fogo alimentado por carvão. O fulgor constante iluminava uns rasgos vivos e taciturnos. Seus olhos eram cor fumaça, sua mandíbula afiada como o aço. Um pianista não teria desprezado suas mãos. Sua voz era outra coisa. Em contraste com aquela elegância esbelta e escura, era rouca e aguardentosa, como se se tivesse passado a vida gritando nos moles. Aquela impressão era errônea. Nic Craven logo que tinha que murmurar para atrair a atenção. Havia quem declarava que era um gênio da pintura, superior ao Leighton ou a Alma–Tadema, embora nenhuma dessas luminárias lhe teria cedido seu lugar voluntariamente. Em qualquer caso, quando Nic falava, a gente escutava, já fora por respeito a seu talento ou porque temiam esse mordaz engenho dele que nunca media. Ele só desejava que o deixassem em paz quando estava cansado. Como essa noite. Tinha acabado seu último encargo. O broto de frenética atividade, de momentos de excita� ...

ão e frustração, de noites em vela com os pincéis entre os dentes e dedos manchados de pintura com os que logo se mesaba o cabelo, todo isso tinha acabado como se se agarrou do badajo de um enorme sino de bronze. Sentia vibrar o corpo com os efeitos do cansaço, esvaziado e extenuado. Mas agora descansaria. Tinha acabado o retrato. Monmouth tinha vindo a buscá-lo aquela manhã e se declarou satisfeito, embora Nic duvidava que o duque visse mais que uma ínfima parte do que aquele quadro expressava. Tinha sabido captar a alma daquele homem. Diabos, tinha sabido captar a alma da metade dos nobres ingleses, tinha visto seu desconcerto ante os tempos cambiantes, sua pomposidade e sua indolência, sua sincera convicção de que os ingleses eram capazes de salvar ao mundo. sempre e quando o mundo queria ser salvado como eles propunham. A boca lhe torceu em uma careta irônica de desprezo de si mesmo. Não tinha sentido olhá-los por cima do ombro. Pouco importava como vivesse Nic, porque seu sangue seguia sendo tão azul como a deles. Tampouco se tratava de esgrimir aquilo como causa de seus pecados. girou-se para olhar pela janela, para a verde espessura que ocultava sua acolhedora casa no bosque do St. John’S. Uma névoa invernal, grosa como a pelagem de um gato, deslocou-se de Londres para engolir a guarida do artista, situada mais ao norte. Nic logo que distinguia os arbustos que cresciam ao outro lado da janela, que ficavam totalmente obscurecidos pela névoa cinzenta. A mescla de chocolate e prata era extraordinária, suave como o veludo. Se Nic não houvesse sentido tanta preguiça, teria procurado seus bolos. Que um pouco tão feio pudesse ser tão belo despertava nele um sentido do maravilhoso. Contemplava seriamente a possibilidade de incorporar-se quando um golpe na porta da biblioteca lhe economizou o esforço. Respondendo a seu grunhido, entrou Farnham, o mordomo, com uma bandeja de comida e café. Como de costume, Nic tinha dado o dia liv ...

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