Livro: O que aprendi com Bruna Surfistinha Página 2
Autor - Fonte: Raquel Pacheco
...
estava fazendo apologia da prostituição e das
drogas, incentivando, assim, meninas "desmioladas" a seguir o meu
exemplo.
Desse modo, resolvi encurtar o caminho, caso alguém pense seriamente em
percorrer a trilha que eu já venci, entregando o "resumão", uma "cola", o
"gabarito" de todas as lições que fizeram da Raquel a Bruna, e vice-versa.
Porém, a última coisa que quero — e que faria — é propaganda da vida
fácil e do caminho das drogas. E muito menos ficar pregando lições. Só
quem esteve lá sabe o que tudo isso significa, por mais idealizado que os
outros vejam. Sem lição de moral, entende? A segunda razão está no fato
de eu sentir que minhas experiências podem ajudar outras pessoas de
alguma maneira, gente que nem precisa ter sido, ser ou querer ser
prostituta. Se estou sendo pretensiosa? Talvez. Mas eis algo que, se for o
caso, quero que alguém me ensine. Na boa.
Aqui, não vou contar a ninguém os "dez passos" para nada, nem vou dar
dicas de o que fazer ou não para ter sucesso. Não é disso que se trata. Esse
vai ser apenas um relato das lições que o mundo e a vida da Bruna me
ensinaram até este momento. Nessa curta, mas intensa trajetória, muita
gente fez questão de não me enxergar, como se a simples admissão da
minha existência ou de outras tantas garotas de programa, prostitutas, ou
seja lá qual o nome que você queira dar, fosse o bastante para contagiá-los
com algum tipo de doença incurável. Essa foi a primeira lição: a de que
todo mundo merece respeito. Eu mesma, quando pequena, via como meus
pais se referiam às putas de beira de calçada da Augusta. Estar do outro
lado do balcão — ou, no caso, da janela do carro, mesmo que eu nunca
tenha me prostituído nas ruas — foi uma descoberta: mulheres da vida não
são a escória. Mas muitas vezes a escória se serve das putas.
Nesse caminho estranho, em que se abre mão de tudo, porém, há muita
gente que vai além dessa relação comerc
...
al e enxerga a pessoa que está ali.
E um pouco como conhecer melhor aquele senhor mal-humorado que
atende você todos os dias numa quitanda qualquer por aí. Todo mundo vive
um papel na vida. O que me coube, naquele momento, era o da garota que
abre as pernas em troca de dinheiro. Simples, não?
Raquel Pacheco
Tollerânciia
Toda semana, acabava aparecendo um daqueles clientes que você paga para
não atender. Aquele que tem um papo muito chato; o outro que nem com
banho e reza braba cheira bem; o rude, que transa como se fosse com uma
boneca inflável, sem se preocupar se está machucando a garota ou não. E,
claro, aqueles com o qual o santo não batia de jeito nenhum. Eu tive um
desses.
No primeiro programa que fizemos, não me senti à vontade com ele. Um
cara estranho, calado, parecia um daqueles malucos de filme de terror.
Quieto, me olhava de um modo que me incomodava. Resultado: acho que
fiz um dos piores programas da minha vida (e, acredito, da dele também).
Ele não pediu nada de bizarro, como poderia parecer. Seu corpo também
não era repulsivo, apenas comum, tirando a falta de um bronze. Mesmo
assim, me desagradava além do normal.
Pediu para que eu o chupasse (o que fiz sem nenhum empenho ou
profissionalismo) e que deixasse ele gozar na minha boca (o que não deixei
nem com camisinha, inventando um machucado). Se ele não curtisse o
programa, pagaria e certamente nunca mais voltaria. Mas, já que ele estava
lá. Sugeri que ele gozasse, então, durante a transa. Fiquei de quatro e só
faltou eu abrir uma revista, lixar as unhas ou assistir à TV durante a transa.
Não sei bem por que fazia isso, mas a simples presença daquele homem me
incomodava. E eu deixava isso muito claro para ele, de propósito, ainda
que a maneira de ele transar não tivesse nada de especialmente bom ou
ruim. Era apenas mais um cliente.
Quando o programa terminou, não me senti culpada por nada, apenas
aliviada. A raiva que eu tinha dele, sem moti ...
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