Livro: Além das aparencias Página 3

... sará que sou inútil e incapaz pelo modo como negligenciei sua educação. Seus dons musicais, seu francês, seus trabalhos manuais com agulha. Descuidei-me disso tudo. — Deixe-me pedir que tragam um pouco de chá, tia. Você parece mortificada. Caroline considerou sua falta de preparo, sabendo que a culpa era apenas sua. Letícia estava certa. Ela não tinha condições de entrar para a sociedade londrina em nível algum, muito menos de ser apresentada à corte. Assim que a sobrinha retornou da cozinha, seguida da criada que trazia a bandeja, Letícia continuou, perturbada: — Augusta dirá que negligenciei minhas responsabilidades e reclamará com Jeremy, depreciando nossa família. — Suas lágrimas fluíram, livres. — Perguntará com o que você se ocupou, sem professor de dança ou de piano. Cometerá gafes, Caroline, e Augusta irá me culpar! — Teremos de mudar a ideia de mamãe. Não há necessidade de eu debutar esse ano. — Querida, Clarissa está muito determinada. — Letícia entregou a carta à sobrinha, que se sentou junto à janela para ler. Quando terminou a leitura, Caroline olhou pela janela, triste. Estaria pronta para desistir de sua juventude e perder a independência que tinha ali em Sunnyslope? Seus anos tranquilos com o conde e a condessa de Barstow eram o oposto do que vivera na infância. Desde muito criança Caroline viajara para as capitais diplomáticas da Europa com os pais. Ao completar dez primaveras, viera para Sunnyslope, a fim de se beneficiar com o ar do campo de Berkshsire, assim como sua mãe, quando menina. Apesar de estranhar o modo de vida da família Mortimer, no princípio, adorou Sunnyslope. Agora, portanto, esse novo plano significava o fim de sua liberdade para treinar seus pôneis, de andar a cavalo pela propriedade, de fazer piquenique com os primos ao lado do rio após escapar da ineficaz governanta deles. Letícia suspirou. — Venha servir o chá, minha querida. Estou muito trêmula para fazer i ...

so. Caroline lhe obedeceu. — Querida, olhe para suas mãos. Suas unhas estão curtas e feias. Caroline assentiu. Quem dera seu maior problema fossem as unhas. Fazer o début era apenas o começo. Sabia muito bem que a mãe pretendia que ela se casasse naquele ano. Pelo menos era o que a carta insinuava. A simples ideia era suficiente para dar-lhe vontade de fugir. Quem se importava com unhas quando tinha uma vida inteira em jogo? Não queria um marido. Casamento era algo para pensar no futuro, não naquele momento, quando tanto prezava sua independência. — Você não fez nada mais além de um canto de seu bordado — reclamou tia Letícia. Se não estivesse tão aflita com o prenúncio daquilo que considerava uma grande infelicidade, Caroline poderia dar alguma importância às queixas da tia. Lady Barstow nunca tivera muito controle dos afazeres do lar, e Caroline aprendera a se encaixar nos moldes familiares naqueles oito anos de convivência com os primos. — Temos de fazer mamãe voltar atrás, titia. Recuso-me a ir a Londres para a estação das estreias em sociedade, e decerto não planejo casar-me com ninguém. Pelo menos não por enquanto. — O que fiz para merecer isso?! Nenhum de meus filhos é obediente e respeitoso. E vejo que você não é diferente deles, Caroline. — Por favor, não chore, tia Letícia. Temos de nos concentrar em dissuadir mamãe. Mas Caroline sentia a inutilidade da tarefa. Em sua maneira muito mais atenuada, Clarissa mostrava tanta determinação e força quanto a imperiosa Augusta. Juntas, as irmãs seriam invencíveis. Letícia não ajudaria em nada. Caroline decidiu então que mais tarde descobriria um meio de não ir a Londres, ou acabaria casada com um pomposo pretendente escolhido por tia Augusta. — Espero que esses cavalos velhos compensem o tempo perdido — Thomas Ogden provocava, preocupado em tirar uma imaginária partícula de pó da manga de seu casaco azul-marinho confeccionado por fina alfaiatar ...

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