Livro: Natal Mortal
Autor - Fonte: Nora Roberts
Ela sonhava com a morte.
A luz vermelha com aparência de suja que vinha do
anúncio em néon pulsava de encontro à janela empoeirada
como um coração zangado. Seus reflexos transformavam as poças de
sangue que brilhavam no chão de claro em escuro, claro em escuro,
fazendo o aposento imundo surgir em nítidos contrastes para então
mergulhá-lo novamente nas sombras.
Ela se encolheu no canto, uma menina magrinha com cabelos
castanhos muito embaraçados e olhos imensos da cor do uísque que
ele bebia quando conseguia algum dinheiro. A dor e o choque
haviam feito seus olhos ficarem vidrados e sem vida, enquanto a sua
pele adquiriu um tom acinzentado típico dos cadáveres. A menina
olhava, hipnotizada pela luz piscante e pela forma com que ela rebatia nas paredes, no chão. sobre o corpo dele.
Ele, esparramado ali no piso arranhado, parecendo nadar no
próprio sangue.
Pequenos sons primais retumbavam na garganta dela.
E em sua mão uma faca estava ensangüentada até o cabo Ele estava morto. Ela sabia que ele estava morto. Dava para sentir o cheiro forte e quente, o fedor do sangue que continuava a
escorrer e enchia o ar abafado. Ela era uma criança, apenas uma
criança, mas a porção animal dentro dela reconhecia o cheiro e, ao
mesmo tempo, se regozijava com ele.
Sentia uma dor indescritível no lugar em que ele lhe quebrara o
osso do braço. O espaço entre suas pernas ardia e um líquido escorria ali de dentro, devido ao último estupro que sofrera. Nem todo o
sangue espalhado à sua volta era dele.
Mas ele estava morto. Tudo acabara. Ela estava salva.
Então ele moveu a cabeça lentamente, como a de uma marionete, e a dor dela se transformou em terror.
Os olhos dele se fixaram nos dela, que tentou balbuciar algo e
arrastou o corpo mais para trás, encolhendo-se no canto para onde
se arrastara, tentando escapar dele. E então a boca morta abriu um
sorriso.
Você jamais vai se livrar de mim, garotinha. Sou uma parte de você.
Sempre serei. Estarei dentro de você. Para sempre. E agora papai vai ter
que castigá-la mais uma vez.
Ele ergueu o corpo e ficou de quatro no chão. O sangue vinha
em gotas grossas que faziam barulho ao pingar do rosto e das costas,
formando um filete repulsivo que escorria dos ferimentos e lhe descia pelos braços. Quando conseguiu se colocar em pé e começou a
cambalear na direção da menina, deixando um rastro vermelho no
chão, ela gritou.
E ao gritar, acordou.
Eve cobriu o rosto com as mãos e em seguida apertou uma delas
de encontro à boca para abafar os gritos desesperados que teimavam
em lhe sair garganta afora como quentes cacos de vidro. Sua respira-
ção ficou tão pesada que a cada expiração ela franzia o cenho com a
dor que lhe atravessava o peito.
O medo a envolveu e lançou um bafo gelado que lhe desceu
espinha abaixo, mas ela o dominou. Já não era mais uma criança
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