Livro: Casada e viúva Página 3
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
e se verem
juntos os prendia insensivelmente. Guardaram o muito que ainda havia a dizer para os
outros dias e recolheram-se.
— Conhecia José de Meneses? perguntou Nogueira a Cristiana ao retirar-se para os seus
aposentos.
— Conhecia de casa de meu pai. Ele ia lá há oito anos.
— É uma bela alma!
— E Eulália!
— Ambos! ambos! É um casal feliz!
— Como nós, acrescentou Cristiana abraçando o marido.
— No dia seguinte, foram os dous maridos para a cidade, e ficaram as duas mulheres
entregues aos seus corações.
— De volta, disse Nogueira ter encontrado casa; mas era preciso arranjá-la, e foi marcado
para os arranjos o prazo de oito dias.
— Os seis primeiros dias deste prazo correram na maior alegria, na mais perfeita
intimidade. Chegou-se a aventar a idéia de ficarem os quatro habitando juntos. Foi
Meneses o autor da idéia. Mas Nogueira alegou ter necessidade de casa própria e
especial, visto como esperava alguns parentes do Norte.
— Enfim, no sétimo dia, isto é, na véspera de se separarem os dous casais, estava
Cristiana passeando no jardim, à tardinha, em companhia de José de Meneses, que lhe
dava o braço. Depois de trocarem muitas palavras sobre cousas totalmente indiferentes à
nossa história José de Meneses fixou o olhar na sua interlocutora e aventurou estas
palavras:
— Não tem saudade do passado, Cristiana?
A moça estremeceu, abaixou os olhos e não respondeu.
José de Meneses insistiu. A resposta de Cristiana foi:
— Não sei, deixe-me!
E forcejou por tirar o braço do de José de Meneses; mas este reteve-a.
— Que susto pueril! Onde quer ir? Meto-lhe medo?
Nisto parou ao portão um moleque com duas cartas para José de Meneses. Os dous
passavam neste momento em frente do portão. O moleque fez entrega das cartas e
retirou-se sem exigir resposta.
Meneses fez os seguintes raciocínios: — Lê-las imediatamente era dar lugar a que
Cristiana se evadisse para o interior da casa; não sendo
...
as cartas de grande urgência,
visto que o portador não exigira resposta, não havia grande necessidade de lê-las
imediatamente. Portanto guardou as cartas cuidadosamente para lê-las depois.
E de tudo isto conclui o leitor que Meneses tinha mais necessidade de falar a Cristiana do
que curiosidade de ler as cartas.
Acrescentarei, para não dar azo aos esmerilhadores de inverossimilhanças, que Meneses
conhecia muito bem o portador e sabia ou presumia saber de que tratavam as cartas em
questão.
Guardadas as cartas, e sem tirar o braço a Cristiana, Meneses continuou o passeio e a
conversação.
Cristiana estava confusa e trêmula. Durante alguns passos não trocaram uma palavra.
Finalmente, Mcneses rompeu o silêncio perguntando a Cristiana: - Então, que me
responde?
— Nada, murmurou a moça.
— Nada! exclamou Meneses. Nada! era então esse o amor que me tinha?
— Cristiana levantou os olhos espantados para Meneses. Depois, procurando de novo
tirar o braço do de Meneses, murmurou:
— Perdão, devo recolher-me.
— Meneses reteve-a de novo.
— Ouça-me primeiro, disse. Não lhe quero fazer mal algum. Se me não ama, pode dizêlo,
não me zangarei; receberei essa confissão como o castigo do passo que dei, casando
minha alma que se não achava solteira.
— Que estranha linguagem é essa? disse a moça. A que vem essa recodação de uma
curta fase da nossa vida, de um puro brinco da adolescência?
— Fala de coração?
— Pois, como seria?
— Ah! não me faça crer que um perjúrio. . .
— Perjúrio!.
A moça sorriu-se com desdém. Depois continuou:
—Perjúrio é isto que faz. Perjúrio é trazer enganada a mais casta e a mais digna das
mulheres, a mais digna, ouve? Mais digna do que eu que ainda o ouço e lhe respondo.
E dizendo isto Cristiana tentou fugir.
— Onde vai? perguntou Meneses. Não vê que está agitada? Poderia fazer nascer
suspeitas. Demais, pouco tenho a dizer-lhe. É uma despedida. Nada mais, em nenhu ...
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