Livro: Casada e viúva Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
onagens eram o Capitão Nogueira e Cristina Nogueira, mulher do
capitão.
O encontro foi o mais cordial do mundo. Nogueira era já amigo de José de Meneses, cujo
pai fora colega dele na escola militar, andando ambos a estudar engenharia. Isto quer
dizer que Nogueira era já homem dos seus quarenta e seis anos.
Cristiana era uma moça de vinte e cinco anos, robusta, corada uma dessas belezas da
terra, muito apreciáveis, mesmo para quem goza uma das belezas do céu, como
acontecia a José de Meneses.
Vinham de Minas, onde se haviam casado.
Nogueira, cinco meses antes, saíra para aquela província a serviço do Estado e ali
encontrou Cristiana, por quem se apaixonou e a quem soube inspirar uma estima
respeitosa. Se eu dissesse amor, mentia, e eu tenho por timbre contar as cousas como as
cousas são. Cristiana, órfã de pai e mãe, vivia na companhia de um tio, homem velho e
impertinente, achacado de duas moléstias gravíssimas: um reumatismo crônico e uma
saudade do regímen colonial. Devo explicar esta última enfermidade; ele não sentia que o
Brasil se tivesse feito independente; sentia que, fazendo-se independente, não tivesse
conservado a forma de governo absoluto. Gorou o ovo, dizia ele, logo depois de adotada
a constituição. E protestando interiormente contra o que se fizera, retirou-se para Minas
Gerais, donde nunca mais saiu. A esta ligeira notícia do tio de Cristiana acrescentarei que
era rico como um Potosi e avarento como Harpagão.
Entrando na fazenda do tio de Cristiana e sentindo-se influído pela beleza desta, Nogueira
aproveitou-se da doença política do fazendeiro para lisonjeá-la com umas fomentações de
louvor do passado e indignação pelo presente. Em um servidor do Estado atual das
cousas, achou o fazendeiro que era aquilo uma prova de rara independência, e o
estratagema do capitão surtiu duas vantagens: o fazendeiro deu-lhe a sobrinha e mais um
bom par de contos de réis. Nogueira, que só visava a primeir
...
, achou-se felicíssimo por
ter alcançado ambas. Ora, é certo que, sem as opiniões forjadas no momento pelo
capitão, o velho fazendeiro não tiraria à sua fortuna um ceitil que fosse.
Quanto a Cristiana, se não sentia pelo capitão um amor igual ou mesmo inferior ao que
lhe inspirava, votava-lhe uma estima respeitosa. E o hábito, desde Aristóteles todos
reconhecem isto, e o hábito, aumentando a estima de Cristiana, dava à vida doméstica do
Capitão Nogueira uma paz, uma tranqüilidade, um gozo brando, digno de tanta inveja
como era o amor sempre violento do casal Meneses.
Voltando à corte, Cristiana esperava uma vida mais própria aos seus anos de moça do
que a passada na fazenda mineira na companhia fastidiosa do reumático legitimista.
Pouco que pudessem alcançar as suas ilusões, era já muito em comparação com o
passado.
Dadas todas estas explicações, continuo a minha história.
CAPÍTULO II
DEIXO AO ESPÍRITO do leitor ajuizar como seria o encontro de amigos que se não vêem
há muito.
Cristiana e Eulália tinham muito que contar uma à outra, e, em sala à parte, ao pé do
berço em que dormia a filha de José de Meneses, deram largas à memória, ao espírito e
ao coração. Quanto a Nogueira e José de Meneses, depois de narrada a história do
respectivo casamento e suas esperanças de esposos, entraram, um na exposição das
suas impressões de viagem, o outro na das impressões que deveria ter em uma viagem
que projetava.
Passaram-se deste modo as horas até que o chá reuniu a todos quatro à roda da mesa
de família. Esquecia-me dizer que Nogueira e Cristiana declararam desde o princípio que,
tendo chegado pouco havia, tencionavam demorar-se uns dias em casa de Meneses até
que pudessem arranjar na cidade ou nos arrabaldes uma casa conveniente.
Meneses e Eulália ouviram isto, pode-se dizer que de coração alegre. Foi decretada a
instalação dos dous viajantes. Tarde se levantaram da mesa, onde o prazer d ...
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