Livro: Vozes da África Página 2

... daqui. Meg pode continuar a viver em minha casa e criar seu filho sem a sua ajuda. Não o quero na cidade, para causar mais sofrimento à minha filha, com seu comportamento devasso! E ainda havia o padrasto de Cameron, o truculento Jock MacKenna, cujas palavras amargas ainda ecoavam nos ouvidos do enteado: — Tentei fazer de você um homem decente, um fazendeiro, como os meus verdadeiros filhos. Mas todo o meu esforço foi em vão! Esta foi a última vez que você envergonhou a família, Cameron! Faz tempo que vem implorando que eu o deixe ir para a África, para trabalhar naquela estrada de ferro de lunáticos. Tenho em meu bolso o dinheiro para a passagem só de ida. Case com a maldita garota, faça com que o juiz Owen pare de me atormentar e suma daqui! Vá para a África, ou para o inferno, se preferir! Pouco me importa se nunca mais puser meus olhos em você! A voz do velho padre continuava a ladainha monótona, mesclando pequenas homílias sobre amor e devoção, com as falas tradicionais da cerimônia de casamento. Cameron respirou fundo, sentindo o colarinho engomado apertar-lhe o pescoço. Seus três irmãos de criação encontravam-se parados atrás dele. Eram rudes e não se importavam com nada além das terras que possuíam e das ovelhas que criavam. Cameron sabia que nenhum dos três sentiria sua falta. Eles jamais haviam compreendido sua necessidade de estudar todos os livros que visse pela frente, de saber o que existia além do vale mais próximo. Apesar de Cameron ser apenas um bebê quando sua mãe se casara com MacKenna, eles jamais o haviam aceitado. Somente a mãe de Cameron se importara com ele de verdade. Mesmo quando, desesperado pela solidão insuportável, ele se entregara à bebida, às brigas e às más companhias, ela tentara compreender o filho. Agora, na igreja, ele ouvia o choro abafado da mulher frágil e delicada, a única pessoa de quem sentiria falta. — Mary Margaret Owen, aceita este homem como seu legítimo esposo, para ...

onrá-lo e… — o padre foi adiante, desapercebido da zombaria que suas palavras constituíam. Cameron lançou um olhar discreto para sua noiva. O véu deslizara um pouco para trás, revelando algumas mechas dos cabelos loiros. A pequena Meg… Ele mal a conhecia. Pensara tratar-se de uma criança, quando a vira a espiá-lo, enquanto nadava na enseada. Rindo, ele a desafiara a tirar a roupa e juntar-se a ele, esperando que ela fugisse. Enganara-se. Ela aceitara o desafio e o corpo que se desnudara à luz do luar não se parecia em nada com o de uma criança. Cameron sentiu a tensão que tomara conta dela enquanto o padre falava, e notou o esforço com que ela respondeu: — Sim, aceito. — E você, John Cameron MacKenna, aceita esta mulher como sua legítima esposa… — o padre continuou. Cameron ouviu o pardal, que voltara a voar e batera contra o vidro de uma janela fechada. Sentiu o coração executar o mesmo movimento dentro do peito. — Sim, aceito — respondeu. Enfiou a mão no bolso, à procura da aliança. Sua mãe lhe entregara a fina argola de ouro naquela manhã. E ele descobrira tratar-se da aliança que seu próprio pai dera à mãe, no dia do casamento. Quanto sacrifício… Finalmente, encontrou-a. Meg havia se virado um pouco, a fim de encará-lo e Cameron pode ver seu rosto pela primeira vez naquele dia. Ela era mesmo uma criança, perdida no vestida de noiva em estilo vitoriano, grande demais para seu corpo delicado. Caracóis dourados escapavam do coque conservador, preso no topo de sua cabeça, e caíam como cascatas em torno do rosto claro. Os grandes olhos, cor de violeta, apresentavam-se vermelhos e inchados e o fitavam com censura. Porém, não havia uma lágrima e ocorreu a Cameron que já não lhe restava nenhuma. Ele se deu conta de que, por um momento de prazer inconseqüente, mudara a vida despreocupada daquela garota para sempre. Queria falar com ela, dizer-lhe o quanto lamentava tudo aquilo. Mas aquele não era o luga ...

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