Livro: A mágoa do infeliz Cosme Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
ção.
Desgraçadamente era moço e Carlota era bela. Oliveira, ao cabo de alguns meses,
sentiu-se loucamente apaixonado. Era honrado e viu a gravidade da situação. Quis evitar
o desastre; deixou de freqüentar a casa de Cosme. Cerca de cinqüenta dias deixou de lá
ir, até que o amigo o encontrou e à viva força o levou a jantar.
A paixão não estava morta nem caminhava para isso; a vista da bela Carlota não fez mais
do que converter em incêndio o que já era braseiro.
Eu desisto de contar as lutas em que andou o coração de Oliveira durante todo o tempo
que viveu a esposa de Cosme. Evitou ele manifestar nunca à formosa dama o que sentia
por ela; um dia, porém, tão patente era o seu amor, que ela claramente lho percebeu.
Uma leve sombra de vaidade fez com que Carlota não descobrisse com maus olhos o
amor que inspirara ao rapaz. Não tardou, porém, que a reflexão e o sentimento da honra
lhe mostrassem todo o perigo daquela situação. Carlota mostrou-se severa com ele, e
este recurso fez ainda mais aumentar as disposições respeitosas em que se achava
Oliveira.
- Tanto melhor! disse ele consigo.
A exclamação de Oliveira queria dizer duas coisas. Era, primeiramente, uma homenagem
de respeito à amada do seu coração. Era também uma esperança. Oliveira nutria a doce
esperança de que Carlota enviuvasse mais cedo do que supunha o marido, e nesse caso
podia ele apresentar a sua candidatura, com certeza de que recebia uma mulher
provadamente virtuosa.
Os acontecimentos dissiparam todos esse castelos; Carlota foi a primeira a sair deste
mundo, e a dor de Oliveira não foi menor que a dor do infeliz Cosme. Nem teve ânimo de
ir ao enterro; foi à missa, e a muito custo pôde reter as lágrimas.
Agora que seis semanas haviam decorrido depois da terrível catástrofe, Oliveira procurou
o infeliz viúvo na véspera do dia em que este saía à rua, como eu tive a honra de lhes
dizer.
III
Cosme estava assentado diante da escrivani
...
ha examinando melancolicamente alguns
papéis. Oliveira assomou à porta do gabinete. O infeliz viúvo voltou o rosto e encontrou os
olhos do amigo. Nenhum deles se moveu; a sombra da moça parecia ter surgido entre
ambos. Enfim, o infeliz Cosme levantou-se e atirou-se aos braços do amigo.
Não se sabe bem o tempo que eles gastaram nesta magoada e saudosa atitude. Quando
se desprenderam, Oliveira enxugou furtivamente uma lágrima; Cosme levou o lenço aos
olhos.
A princípio, evitaram falar da moça; mas o coração trouxe naturalmente aquele assunto
de conversa.
Cosme era incansável nos louvores que tecia à finada esposa, cuja perda, dizia ele, não
era só irreparável, havia de ser-lhe mortal. Oliveira procurava dar-lhe algumas
consolações.
- Oh! exclamou o infeliz Cosme, para mim não há consolações. Isto agora já não é viver, é
vegetar, é arrastar o corpo e a alma sobre a terra, até o dia em que Deus se compadeça
de ambos. A dor que eu sinto cá dentro é um germe da morte; sinto que não posso durar
muito tempo. Tanto melhor, meu caro Oliveira, mais depressa irei ter com ela.
Estou muito longe de lhe censurar esse sentimento, observou Oliveira procurando
disfarçar a comoção. Não conheci eu durante três anos o que valia aquela alma?
- Nunca a houve mais angélica!
Cosme proferiu estas palavras levantando as mãos para o teto, com uma expressão
mesclada de admiração e saudade, que abalaria as próprias cadeiras se tivessem
ouvidos. Oliveira concordou plenamente com o juízo do amigo.
- Era efetivamente um anjo, disse ele. Nenhuma mulher teve ainda tantas qualidades
juntas.
- Oh! meu bom amigo! Se soubesse que satisfação me está dando! Neste mundo de
interesses e vaidades, ainda há um coração puro, que sabe apreciar os dotes do céu.
Carlota era isso mesmo que o senhor está dizendo. Era ainda muito mais. A alma dela
ninguém a conheceu nunca como eu. Que bondade! que ternura! que graça infantil! Além
de ...
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