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A mágoa do infeliz Cosme

Livro: A mágoa do infeliz Cosme

Autor - Fonte: Machado de Assis

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... LITERATURA BRASILEIRA Textos literários em meio eletrônico A Mágoa do infeliz Cosme, de Machado de Assis Edição referência: http://www2.uol.com.br/machadodeassis Publicado originalmente em Jornal das Famílias 1875 I Imensa e profunda foi a mágoa do infeliz Cosme. Depois de três anos de não interrompida ventura, faleceu-lhe a mulher, ainda na flor da idade, e no esplendor das graças com que a dotara a natureza. Uma rápida moléstia a arrebatou aos carinhos do esposo e à admiração de quantos tiveram a honra e o prazer de praticar com ela. Quinze dias apenas esteve de cama; mas foram quinze séculos para o infeliz Cosme. Por cúmulo de desgraças, expirou longe dos olhos dele; Cosme saíra para ir buscar a solução de um negócio; quando chegou à casa achou um cadáver. Dizer a aflição em que este acontecimento lançou o infeliz Cosme pediria outra pena que não a minha. Cosme chorou logo no primeiro dia todas as suas lágrimas; no dia seguinte tinha os olhos exaustos e secos. Os seus numerosos amigos contemplavam com tristeza o rosto do infeliz e ao lançar a pá de terra sobre o caixão já depositado no fundo da cova, mais de um recordou os dias que passara ao pé dos dois esposos, tão queridos um do outro, tão venerados e amados dos seus íntimos. Cosme não se limitou ao encerramento usual dos sete dias. A dor não é costume, dizia ele aos que o iam visitar; sairei daqui quando puder arrastar o resto dos meus dias. Ali ficou durante seis semanas, sem ver a rua nem o céu. Os seus empregados iam prestarlhe contas, a que ele, com incrível esforço, prestava religiosa atenção. Cortava o coração ver aquele homem ferido no que havia de mais caro para ele, discutir às vezes um erro de soma, uma troca de algarismos. Uma lágrima às vezes vinha interromper a operação. O viúvo lutava com o homem do dever. Ao cabo de seis semanas resolveu sair à rua o infeliz Cosme. - Não estou curado, dizia ele a um compadre; ma ...
é preciso obedecer às necessidades da vida. - Infeliz! exclamou o compadre apertando-o nos braços. II Na véspera de sair foi visitá-lo um moço de vinte e oito anos, que podia ser seu filho, porque o infeliz Cosme contava quarenta e oito. Cosme conhecera o pai de Oliveira e fora seu companheiro nos bons tempos da mocidade. Oliveira afeiçoou-se ao amigo de seu pai, e freqüentava-lhe a casa ainda antes do casamento. - Sabe que vou casar? disse um dia Cosme a Oliveira. - Sim? Com quem? - Adivinhe. - Não posso. - Com D. Carlota. - Aquela moça a quem me apresentou ontem no teatro? - Justo. - Dou-lhe meus parabéns. Cosme arregalou os olhos de contente. - Não lhe parece que faço boa escolha? - Uma excelente moça: formosa, rica. - Um anjo! Oliveira puxou duas fumaças do charuto e observou: - Mas como arranjou isso? Nunca me falou em tal. Verdade é que sempre o conheci discreto; e meu pai costumava dizer que o senhor era uma urna inviolável. - Por que motivo andaria eu a bater com a língua nos dentes? - Tem razão. - Este casamento há de dar que falar, porque eu já estou um pouco maduro. - Oh! não parece. - Mas estou; cá tenho já os meus quarenta e cinco. Não os mostro, bem sei; apuro-me no vestir, e não tenho um fio de cabelo branco. - E conta ainda um mérito mais: é experiente. - Dois méritos: experiente e sossegado. Não estou na idade de andar correndo a viasacra e dando desgosto à família, que é o defeito dos rapazes. Parece-lhe então que seremos felizes? - Como dois eleitos do céu. Cosme, que ainda não era o infeliz Cosme, esfregou as mãos de contentamento e manifestou a opinião de que o seu jovem amigo era um espírito sensato e observador. Efetuou-se o casamento com assistência de Oliveira, que, apesar da mudança de estado do amigo de seu pai, não deixou de lhe freqüentar a casa. De todos os que lá iam era o que tinha maior intimidade. Suas boas qualidades lhe davam jus à estima e venera ...

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