Livro: Casa não casa Página 3
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
o e delirante".
Não teve resposta imediatamente como esperava, mas dous dias depois,
não do mesmo teor, mas no mesmo sentido.
Ambas lhe diziam que pusesse a mão na consciência.
"Não há dúvida, pensou ele consigo, estou pilhado. Como sairei eu desta
situação?"
Júlio resolveu atacar verbalmente as duas fortalezas.
— Isto de cartas não é bom recurso para mim, disse ele; encaremos o
inimigo; é mais seguro.
Escolheu Isabel em primeiro lugar. Haviam já passado seis ou sete dias
depois da cena noturna. Júlio preparou-se mentalmente com todas as
armas necessárias ao ataque e à defesa e dirigiu-se para casa de Isabel,
que era como sabemos na Rua de S. Pedro.
Foi-lhe difícil achar-se a sós com a moça; porque a moça que das outras
vezes era a primeira a buscar ocasião de lhe falar, agora esquivava-se a
isso. O rapaz entretanto era teimoso; tanto fez que pôde pilhá-la numa
janela, e ali ex abrupto disparou-lhe esta pergunta:
— Não me dará a explicação dos seus modos de hoje e da carta com
que respondeu à minha última?
Isabel calou-se.
Júlio repetiu a pergunta, mas já com um tom que exigia resposta
imediata. Isabel fez um gesto de aborrecimento e disse:
— Respondo o que lhe disse na carta; ponha a mão na consciência.
— Mas que fiz eu então?
Isabel sorriu-se com um ar de lástima.
— O que fez? perguntou ela.
— Sim, o que fiz?
— Deveras, ignora?
— Quer que lhe jure?
— Queria ver isto.
— Isabel, essas palavras!.
— São dum coração ofendido, interrompeu a moça com amargura. O
senhor ama a outra.
— Eu?.
Aqui desisto de descrever o gesto de espanto de Júlio; a pena nunca o
poderia fazer, nem talvez o pincel. Era o agente mais natural, mais
aparentemente espontâneo que ainda se viu neste mundo, a tal ponto
que a moça vacilou, e atenuou as suas primeiras palavras com estas:
— Pelo menos, parece.
— Mas como?
— Vi-o olhar com certo ar para a Luísa, quando outro dia ela aqui
est
...
ve.
— Nego.
— Nega? Pois bem; mas negará também que, vendo o retrato dela, no
meu álbum, me disse: É tão bonita esta moça!
— Pode ser que o dissesse; creio até que o disse. há cousa de oito
dias; mas que prova isso?
— Não sei se prova muito, mas em todo o caso foi bastante para fazer
doer a um coração amante.
— Acredito, observou Júlio; seria porém bastante para o audacioso
passo que deu?
— Que passo? perguntou Isabel abrindo muito os olhos.
Júlio ia explicar as suas palavras, quando um primo de Isabel se
aproximou do grupo e a conversa ficou interrompida.
Não foi porém sem algum resultado o pouco tempo em que falaram,
porque, ao despedir-se Júlio no fim da noite, Isabel apertou-lhe a mão
com certa força, indício certo de que as pazes estavam feitas.
— Agora a outra, disse ele saindo da casa de Isabel.
CAPÍTULO III
Luísa estava ainda como Isabel, fria e reservada para com ele. Parece,
entretanto, que suspirava por lhe falar, foi ela a primeira que procurou
uma ocasião de ficar a sós com ele.
— Já estará menos cruel comigo? perguntou Júlio.
— Oh! não.
— Mas que lhe fiz eu?
— Pensa então que eu sou cega? perguntou-lhe Luísa com olhos
indignados; pensa que eu não vejo as cousas?
— Mas que cousas?
— O senhor anda de namoro com a Isabel.
— Oh! que idéia!
— Original, não é?
— Originalíssima! Como descobriu semelhante cousa? Conheço aquela
moça há muito tempo, temos intimidade, mas não a namoro nem tal idéia
tive, nunca na minha vida.
— É por isso que lhe deita uns olhos tão ternos?.
Júlio levantou os ombros com um ar tão desdenhoso que a moça
acreditou logo nele. Não deixou de lhe dizer, como a outra lhe dissera:
— Mas para que olhou outro dia com tanta admiração para o retrato dela,
dizendo até com um suspiro: Que moça gentil!
— É verdade isso, menos o suspiro, respondeu Júlio; mas onde está o
mal em achar uma moça bonita, se nenhuma me pare ...
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