Livro: Um vizinho em apuros Página 2

... As páginas do relatório escaparam dos dedos de Evan e espalharam-se sobre a larga mesa de mogno. Certamente ele ouvira mal. — Uma criança? Foi isto que você disse? Deve estar brincando. Os ombros estreitos de Alma ergueram-se ao máximo, mos¬trando que também não sabia o que estava acontecendo. — Eu nunca brinco, senhor — disse, um pouco melindrada e, virando-se, saiu da sala, deixando a porta aberta atrás de si. Aquela notícia obteve toda a atenção que ela queria. Evan parou, segurando a caneta vermelha no ar, olhando para a porta com expressão aparvalhada. — Então. — ele balbuciou, sem saber o que dizer. — Eu não. Alma retornou, trazendo nos braços um bebê sentado e amar¬rado a uma cadeirinha. —. entendo — ele completou. A voz de Evan, geralmente clara e profunda, quase desa¬pareceu. Ele não tinha lembrança alguma de haver se levantado e se dirigido para Alma, mas quando deu por si, estava de pé diante dela, inclinado sobre a criança, olhando, sem acreditar nos próprios olhos. Evan não precisava de mais nada naquele dia. Seus olhos cheios de espanto ergueram-se para Alma. — O que isto significa? De quem é esta criança? — Pelo que pude entender, é sua. Leia a nota. Já veio aberta, senhor — ela disse, apontando para um pedaço de papel preso com um alfinete de segurança na camisinha do bebê. . Evan estava boquiaberto. Havia mesmo uma nota. Aquilo era incrível, não podia estar acontecendo. Parecia cena malfeita de um filme. Era ainda pior. Eu não tenho filho algum — Evan protestou. Era verdade e, além disto, ele não pretendia ter. Apesar de pertencer a uma família muito grande, a idéia de ter pequenas reproduções de si mesmo e uma futura esposa, volteando pela casa, não tinha a menor atração para ele. Crianças eram seres complicados, não os entendia e pareciam pertencer a outro mundo. Evan era um homem que conhecia sua força e suas limitações. Crianças faziam parte de suas limit ...

ções. Aquilo devia ser alguma brincadeira de mau gosto de algum conhecido. Tão logo descobrisse quem era o responsável, faria com que se arrependesse daquela piada sem graça. — Não tinha. Agora, tem. — Alma declarou, interrompendo os pensamentos de Evan. Ele percebeu nos lábios de sua secretária um vago sorriso, mal disfarçado. Era como se ela confirmasse uma antiga sus¬peita. Evan Quartermain, seu bem-sucedido diretor, não podia ser tão absorvido por seu trabalho como parecia. Ele criara aquela imagem e queria que todos acreditassem nela. Mas. Não era bem assim, Alma acabava de descobrir. Evan não se importou nem um pouco com aquela pequena brecha na lealdade de Alma. Ela, mais do que ninguém, devia saber que ele só falava a verdade. Mentiras e invenções não faziam parte de sua vida. O bebê gritou, e Evan voltou-se para ele e contemplou o rostinho redondo e todo molhado por sua profusa salivação. — De maneira alguma — Evan negou, indignado. — Não tenho. Pela primeira vez, Alma testemunhou Evan Quartermain hesitar e gaguejar. — Quer dizer. — ele falou. — Existe uma possibilidade. Mas. Alma percebeu que seu diretor estava em estado de choque. Logo em seguida, recuperando-se um pouco, Evan tentou abordar o problema pelo lado lógico, como se fosse um novo projeto da empresa a ser executado e não algo que poderia ter conseqüências devastadoras em sua vida. — Alma, você viu a mulher que trouxe o bebê. Como ela era? — ele perguntou. — Alta, magra, loira, com óculos escuros e uma enorme echarpe. — Alma deu de ombros, como se eximindo de qualquer culpa. — Ela entrou e saiu tão rápido que não tive tempo de vê-la direito, nem de perguntar nada. Evan suspirou e passou a mão pelos fartos cabelos escuros. Fosse qual fosse a razão para aquela criança estar ali, trata¬va-se de um imenso equívoco, um grosseiro e ridículo engano. Era impossível que ele fosse o responsável pela existência da¬quele peq ...

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