Livro: Além do paraíso Página 3

... idade, esse alguém sou eu — disse ela. chegando ao limite do sarcasmo na forma como falava com Sua Majestade, nesses dias. — Sim, claro. — repetiu Malik, pensativo, até cruzar com seu olhar, diretamente. — Como pode ser? Sorrel paralisou diante da súbita expressão distan¬te nos olhos cor de ébano. Um olhar triste, quase so¬nhador, como se tivesse se perdido no passado. O que acabara de provar o quanto ela se tornara fantasiosa e sentimental, como se Malik sentisse falta da época em que era assistente do sheik, sem ser o sheik em si. — Os anos se passam com mais velocidade do que qualquer um de nós consegue notar — disse Sorrel, percebendo o quanto soara aferada. Mas esse era o problema: ela estava sendo afetada. Os anos voavam e, junto com eles, a sua juventude, que ela estava des-perdiçando esperando por um homem que nem se¬quer a via. Bem, não como mulher. Um dia, provavelmente não no futuro distante, Malik começaria a olhar em volta em busca de. — E não posso continuar aqui para sempre — con¬cluiu ela. — Mas você não conhece a Inglaterra — rebateu Malik. — Você nem morou lá nos últimos anos. — Não, desde que estive no colégio interno — concordou Sorrel. — E mesmo nessa época não fiz o que se podia chamar de morar lá. Ter permissão para gastar os trocados do bolso não conta como viver no meu país de origem! A boca contraída de Malik relaxou, ligeiramente. Ele a conhecia desde criança, uma boneca loura, como seu pai a costumava chamar. E ele estava certo. A pequena e alegre Sorrel encantou a todos. Seus pais eram diplomatas, acadêmicos inteligen¬tes, ávidos por novas experiências, o que acabou so¬bre os picos montanhosos de Maraban, na fronteira com o lado oeste do país. Lá, numa noite tempestuo¬sa, seu avião e seus sonhos se despedaçaram no chão, e Sorrel, a menina de 16 anos, ficou órfã. Talvez, se fosse mais nova, não poderia se recusar a regressar ao país natal e ser criada po ...

um parente distante. E, se fosse mais velha, não teria havido ne¬cessidade de um tutor. Mas ela precisava de alguém, e Malik, um grande amigo e confidente de seu pai, o embaixador, foi indicado como seu tutor no testa¬mento. Ele era mais de uma década mais velho e, num país mais liberal do que Kharastan, talvez fossem feitas perguntas sobre o quão apropriado seria esse acordo, entre uma garota adolescente e um homem solteiro, de sangue nas veias. Mas não foram feitas perguntas. A reputação de Malik era impecável quanto ao que dizia honra e dever. Ele inspecionara sua formação com olhos atentos, bem mais severo do que qualquer pai, embora Sorrel jamais o tivesse dado motivo de preocupação, nem mesmo sinal de rebeldia. Até agora. Ele a encarava. Sorrel estava quase toda coberta de seda clara, como os costumes de Kharastan ditavam. Portanto, era quase impossível saber como era sua si¬lhueta. Porém, a julgar pelo caimento do tecido e pelo rosto oval perfeito, era fácil reconhecer que sob o pano ela era uma jovem esguia e saudável. Apenas uma mecha loura pendia da renda prateada que lhe cobria os cabelos e a única cor aparente era o azul brilhante dos olhos e o tom rosado natural dos lábios dele. Pela primeira vez, Malik começou a per¬ceber que, em algum ponto do caminho, ela se torna¬ra uma mulher e ele sequer havia notado. Será que devia deixá-la partir? — Você não pode apenas passar umas férias na In¬glaterra? — perguntou ele, temperamental. — E de¬pois voltar? Sorrel suspirou. Ele não estava entendendo, Mas ela não podia lhe contar, podia? — Não. Malik — disse ela, pacientemente, saben¬do que, diante do estreitar de seus olhos, pouca gente lhe dizia não, desde sua súbita elevação de status. — Eu passei minha vida toda tendo férias na Inglaterra. Não morei lá de forma apropriada. Até fui para a uni-versidade aqui, em Kumush Ay. — Que tem uma ótima reputação ao redor do mun¬do! — interrompeu ele, ...

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