Livro: A Desejada das Gentes Página 4
Autor - Fonte: Machado de Assis
...
em trinta e três anos. —
Mas se eu a amo assim mesmo, repliquei, e disse-lhe uma porção de cousas, que
não poderia repetir agora. Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações
de amizade; disse que, posto que mais moço que ela, tinha a gravidade de um
homem mais velho e inspirava-lhe confiança como nenhum outro. Desesperançado,
dei algumas passadas, depois sentei-me outra vez e narrei-lhe tudo. Ao saber da
minha briga com o amigo e companheiro da academia, e a separação em que
ficamos, sentiu-se, não sei se diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a ambos,
não valia a pena que chegássemos a tal ponto. — A senhora diz isso porque não
sente a mesma cousa. — Mas então é um delírio? — Creio que sim; o que lhe
afianço é que ainda agora, se fosse necessário, separar-me-ia dele uma e cem
vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele faria a mesma cousa. Aqui olhou ela
espantada para mim, como se olha para uma pessoa cujas faculdades parecem
transtornadas; depois abanou a cabeça, e repetiu que fora um erro; não valia a
pena. — Fiquemos amigos, disse-me, estendendo a mão. — É impossível; pede-me
cousa superior às minhas forças, nunca poderei ver na senhora uma simples amiga;
não desejo impor-lhe nada; dir-lhe-ei até que nem mais insisto, porque não aceitaria
outra resposta agora. Trocamos ainda algumas palavras, e retirei-me. Veja a minha
mão.
— Treme-lhe ainda.
— E não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive, nem a
dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado, devia ter provocado
aquele desengano desde as primeiras semanas, mas a culpa foi da esperança, que
é uma planta daninha, que me comeu o lugar de outras plantas melhores. No fim de
cinco dias saí para Itaboraí, onde me chamaram alguns interesses do inventário de
meu pai. Quando voltei, três semanas depois, achei em casa uma carta de Quintília.
— Oh!
— Abri-a alvoroçadamente: datava de
quatro dias. Era longa; aludia aos
últimos sucessos, e dizia cousas meigas e graves. Quintília afirmava ter esperado
por mim todos os dias, não cuidando que eu levasse o egoísmo até não voltar lá
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mais, por isso escrevia-me, pedindo que fizesse dos meus sentimentos pessoais e
sem eco uma página de história acabada; que ficasse só o amigo, e lá fosse ver a
sua amiga. E concluía com estas singulares palavras: "Quer uma garantia? Juro-lhe
que não casarei nunca." Compreendi que um vínculo de simpatia moral nos ligava
um ao outro; com a diferença que o que era em mim paixão específica, era nela uma
simples eleição de caráter. Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida
com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbolo. Respondi à carta
dela nesse sentido; e declarei que era tal a minha obediência e o meu amor, que
cedia, mas de má vontade, porque, depois do que se passara entre nós, ia sentir-me
humilhado. Risquei a palavra ridículo, já escrita, para poder ir vê-la sem este
vexame; bastava o outro.
— Aposto que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou
eu me engano ou estava morta por casar com o senhor.
— Deixe a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo.
— Deixe-me adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o
senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que aproveitasse com a
absolvição. Mas, enfim, correr à casa dele.
— Não corri; fui dous dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha carta
com um bilhete carinhoso, que rematava com esta idéia: "não fale de humilhação,
onde não houve público." Fui, voltei uma e mais vezes e restabeleceram-se as
nossas relações. Não se falou em nada; ao princípio, custou-me muito parecer o que
era dantes; depois, o demônio da esperança veio pousar outra vez no meu coração;
e, sem nada exprimir, cuidei que um dia, um dia tarde, ela viesse
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