Livro: Um Beijo a Mais Página 2

... viu e o sentiu imediatamente. Mesmo diante das luzes ofuscantes do palco e do mar de rostos borrados, os olhos dela focaram sobre ele, seu olhar atraído como um ímã. Ela sentiu o corpo irresistivelmente puxado em direção a ele, mesmo permanecendo sentada no banco do piano. Ele retribuiu o olhar fixo e, nos poucos segundos em que ela teve para fitá-lo com certo respeito, captou alguns detalhes: cabelos escuros e volumosos levemente desfiados, um rosto bem delineado e, principalmente, olhos azuis, brilhantes, intensos, flamejantes. Abby deveria ter iniciado a peça seguinte, uma fuga de Bach, mas, em vez disso, ficou sentada, imóvel, paralisada pensativa. Não podia se dar ao luxo de fazer perguntas ou procurar por respostas. Dando um suspiro profundo, se determinou a procurar o foco mais uma vez, a pensar em nada além da música. Da beleza. Mesmo depois que deu início à peça de Bach, e o público pareceu recostar nas cadeiras com um suspiro de alívio ela ainda estava consciente da presença dele, e imaginava se voltaria a vê-lo. Jean-Luc Toussaint estava acomodado na cadeira, cada músculo tenso pela expectativa, pela atenção, pela esperança. Era uma emoção que ele não sentia há muito tempo. Aliás, não sentia nada, de modo algum. Assim que Abigail Summer, a renomada pianista prodígio, entrou no palco, ele sentiu as cinzas do âmago se atiçarem à vida de um modo que nunca pensou ser capaz de experimentar de novo. Ele vira fotos dela, é claro. Porém, nada que o tivesse preparado para a visão no palco: a cabeça erguida, os cabelos escuros e brilhantes presos em um elegante coque, o vestido longo preto roçando nos tornozelos. Nada o preparara para o estímulo na alma, para as emoções, a esperança, e até a alegria, que o atingiram. Ele tentou colocar tais sentimentos como mero desespero. Seria imaginação? Estava mesmo desesperado? Suzanne havia falecido há seis meses, e há pouco mais de seis horas ele descobrira as cartas que ...

ela havia deixado, e constatara a verdade sobre a morte dela. E sentira a vergonha e a culpa corrosiva e desgastante. Abandonou a mansão e todas as lembranças, evitando lembrar de qualquer vestígio da vida antiga. Foi até aquele concerto num ato impulsivo; viu um anúncio num outdoor e desejou se perder em alguma outra coisa para não-ter de pensar, ou mesmo sentir. Ele não podia sentir; estava vazio, pobre de emoções. até Abigail Summers cruzar o palco. Foi quando ela começou a tocar. A Appassionata era uma das sonatas favoritas dele; compreendia a frustração de Beethoven, a inevitabilidade da impotência do compositor e a própria inabilidade em parar o crescimento daquela fraqueza impiedosa. Ele se sentia daquele modo em relação à própria vida. Então, Abigail Summers trouxe uma nova emoção e energia a peça, tão intensa, que Luc se flagrou cerrando as mãos, os olhos queimando enquanto olhava para ela, como se pudesse compeli-la a olhar para cima e encará-lo. E ela o fez. Assim que os olhares deles se chocaram, ele sentiu como se algo, há muito perdido, finalmente tivesse retomado, como se o mundo entrasse no prumo, como se ele finalmente tivesse entrado no eixo e estivesse completo. Ele sentiu esperança. Era um sentimento inebriante, viciante e maravilhoso. Também era algo assustador, no entanto ele queria mais. Queria se esquecer de tudo que acontecera, de todos os erros cometidos nos últimos seis anos. Queria aquele esquecimento bem-aventurado, se perder naquele olhar, naquela mulher, mesmo que por um instante. Mesmo que não durasse. Os olhos de ambos se encontraram e se intrincaram, o instante se prolongando. Então, quando uma onda crescente de apreensão se formou na platéia, ela olhou para baixo de novo, e, após um momento tenso (ele não achava que aquela hesitação fosse fruto da própria imaginação), ela começou a tocar. Luc se recostou de volta e deixou a música correr sobre ele. Quanto mais a ânsia tomava cont ...

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